PadimCiço, me proteja!

Crônicas

Andréa Cristhina Brandão Teixeira

Todo dia era a mesma rotina: acordar cedo, ir para a escola, almoçar, ajudar a mãe nos afazeres de casa e sair correndo para as brincadeiras no centro do vilarejo. Quase sempre, a tarde era curta para o jogo de bola improvisada no campinho de terra batida. Às vezes, um banho sorrateiro no rio que passava logo ali e o cuidado para esconder os cambitos cinzentos deixados pela água, inútil todo o tempo. A mãe tinha um olho...

- Pedriiiiiiinhooo!

Todos os finais de tarde, o grito explodia no ar, competindo com o canto dos pássaros que se preparavam para dormir nas imensas árvores próximas das casas.

- Pedriiiinhoooo! Menino, onde tu tá? Já passou da hora de voltar pra casa!

O menino corria e se escondia até que a mãe entrasse novamente em casa. Isso lhe dava tempo para voltar ao campinho e passar mais alguns minutos entregue à brincadeira.

Não tinha jeito, as horas da tarde passavam muito rápido. Muito mais rápido que as quatro enfadonhas horas em que tinha que aguentar o lero-lero de D.Zefinha na escola. Quase sempre se esquecia de onde estava e ficava sonhando com os amigos e as brincadeiras que fariam à tarde, até que a professora batia na mesa, ao tempo em que ameaçava:

- Pedro Matias, vou contar à sua mãe que você não fez o trabalho na sala, de novo!

Era um corre-corre... Tinha que terminar a tempo, nos minutos que restavam. A mãe não podia ficar sabendo. Os colegas caíam na gargalhada ao vê-lo tão vermelho e desesperado. No fim, acabavam passando a “cola”.

Saíam da escola numa correria só, aos gritos, assobios e gargalhadas. A professora ficava na porta da sala, balançando a cabeça desconcertada. Não entendia porque pareciam tão alegres em deixar aquele templo do saber. Lugar sagrado que lhes preparava para um futuro um pouco mais promissor que o de seus próprios pais.

- Pedriiiinhoooo!

Agora pronto! Não tinha mais jeito: esquecera-se de correr para casa antes do terceiro grito. A mãe já o esperava na porta de casa com o cinto do pai na mão.

Pedrinho baixava a cabeça e sentia a passos lentos rumo à própria casa, à sua mãe e a próxima surra.

Naquele dia, quando sua mãe pegou seu braço, foi tocado por uma inspiração divina, e clamou:

- PadimCiiço, me proteja, não deixe minha mãe me bater!

Aconteceu um verdadeiro milagre: a mãe sorriu, soltou-lhe o braço e disse:

- Pelo menos, ainda se lembra dos santos e da reza. Vá tomar banho que a janta já tá na mesa.

O menino olha para a mãe atordoado, entre feliz e incrédulo. Corre para o banheiro, toma um banho meio lá, meio cá e se aproxima da mesa onde a mãe já serve aos irmãos menores.

Vai dormir satisfeito, crente que nunca mais precisaria correr para casa antes que as brincadeiras acabassem, junto com o último raio de sol. Descobrira um santo milagreiro.

Na tarde seguinte, o ritual se repete. Contudo, mesmo após a terceira chamada, Pedrinho continua brincando. Quando escurece e os outros moleques se dirigem para suas casas, Pedrinho também segue para a sua. Sua mãe está sentada numa cadeira de balanço na calçada. O cinto do pai deitado em seus joelhos. Ele olha para a cena mal disfarçando um sorriso. Quando a mãe levanta-se para recebê-lo com uma mão segurando o cinto e a outra pegando seu braço, ele grita ainda mais forte que no dia anterior:


- PadimCiço, me proteja, não deixe minha mãe me bater!

A mãe responde já com o cinto acima da própria cabeça:

-Hoje apanha você, PadimCiço e quem mais aparecer na minha frente!

A surra foi descomunal, apanhou por aquele dia, pelo dia anterior e todos os que faltavam para completar aquela semana.

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