Lembro-me de João de Deus quando ainda residia na Praçinha do Monumento, em uma casa situada na popa do antigo Pinguim, hoje Toca do Pato. Naquela época os entretenimentos eram diversos, distribuídos e bem curtidos entre a criançada, dos quais o jogo de bola, ximbra, o pião, as caçadas com peteca e os banhos no “Panema” eram os mais praticados. Todavia, com o despontar dos pelos capilares e o engrossamento da voz, o pirralho já se sentia capacitado para realizar alguns sonhos de menino. A autorização do pai para rapinar a barba já não carecia de sua autorização, na verdade o "cabôco" juntara terra no pé de milho. Pois bem, foi aí que surgiram algumas mudanças em detrimento da chegada da fase jovial. A peteca (baladeira) cedeu o lugar à espingarda soca-tempero, a bola de borracha era substituída pela couraça nº1 e 2. Surgem aí as primeiras paqueras, que às vezes se concretizavam no Cine Glória. Somente o Panema e o riacho Camoxinga mantinham as suas fúrias certeiras.
Eu soube que o João de Deus havia adquirido uma espingarda soquinha e que vez por outra o Marcos Davi, seu primo, na época alcunhado de “Nego Índio” pelas peripécias que fazia, costumava fazer suas caçadas de catenga, caga-sebo, Zé neguinho e cachorro vadio no cercado de Seu João José, cuja entrada se situava mais ou menos em frente ao Asilo São Vicente, e na Lagoa do Junco. Certa vez resolvi tomar a famosa espingarda de João de Deus emprestado para fazer uma caçada no Baixio de Seu Nozinho, juntamente com Nenoi Pinto. Prontamente fui atendido. Complementando a história, Everaldo de Seu Oscar também havia recebido do seu velho pai uma espingarda comprada na feira do Poço. Mas, como estávamos de mal, apesar de morarmos na mesma rua, cerca de quatro ou cinco casas, não tinha como pegar aquela pequena garrucha, foi então que resolvi partir paro o menino de Deus. Saímos eu e Nenoi em direção ao Baixio, já efetuando os primeiros tiros por trás do posto de gasolina de Seu João de Aquino. Sim, a munição eu comprei a Aderval Carvalho na vidraçaria do mano Gileno, se bem que ele não recebeu o dinheiro e ainda me pediu para guardar silêncio.
Entramos pelo curral por trás da casa do velho fazendeiro e folião Nozinho atirando nas rolinhas papa-capim, caldo-de-feijão e rolinha branca. O tiro comia no centro e nada de acertar o alvo. Houve um momento em que nos separamos, Nenoi tomou o rumo esquerdo e eu o direito. À distância só se ouvia os estampidos, eu pensava comigo, Nenoi já deve está com o “bornà” cheio, da mesma forma que o amigo tecia de mim: “O nego Remi nessas alturas já encheu o bisaco com rolinha e papa-lagarta. Houve um momento que atirei num casal de rolinha caldo-de-feijão, só faltei encostar o cano nas columbídeas, puxei o gatilho e elas levantaram vôos. Foi aí que eu carreguei pesado na pólvora e no chumbo, foi o último tiro, pois, a munição esta no fim. Atirei num espanta boiada e ele saiu mangando de mim, cá,cá, cá. Em compensação o “cão” ou pino acompanhou o vôo do caracará, sumiu. Logo depois nos encontramos, apenas com duas rolinhas cada, foi quando Nenoi me falou, “Neguinho somos mais caçador com as petecas”. No dia seguinte fui entregar a espingarda ao João de Deus, tentei esconder a parte danificada com o bornal, mas, ele percebeu. E vendo o estado deplorável de sua soca-tempero, simplesmente me disse: “Negão você carregou na “porva”.
Aracaju,05/08/2013.
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