TARDE FRIA

Crônicas

por Bartolomeu Barros

Nascera Natalício, todavia poucos sabiam seu nome de batismo. Seu pai, Manoel Domingos, homem simples, pobre, porém direito em todos os pontos de vista. O filho, criança ativa, saía muito de casa para juntar-se a outros meninos; na escola deu muito trabalho aos mestres. Presepeiro, mas criativo, sempre tinha resposta engraçada para tudo que lhe fosse perguntado. Na adolescência, aprendeu a biritar e sentiu-se apaixonado pelas músicas românticas. A primeira que aprendera fora Tarde Fria (Caubi Peixoto), que veio lhe batizar pelos companheiros.

Na época, existiam pequenas fábricas de calçados e aprendera essa arte, porém nos fins de semana caia na gandaia e onde houvesse uma farra lá estava ele para beber e cantar.

Delicado, bonachão, sempre de bom humor, levava a vida que escolhera.

Frequentador do cabaré do Artur Moraes fazia amizade com as mulheres daquela casa. Certa feita bebeu demais e saiu da condição de ordeiro ao se desentender com uma quenguinha, partiu para a briga e deu uns tapas na companheira; as colegas da mulher procuraram a polícia que imediatamente tentou localizá-lo. Ele, ao notar essa ação dos policiais, correu em direção ao rio Ipanema, que estava cheio e não havia ponte na época, jogou-se na correnteza nadando até a outra margem e acenando para os policiais. Procurou um parente que lhe dera guarida e no dia seguinte foi atrás de uma pessoa da comunidade para pedir por ele junto ao delegado, evitando sua prisão.

Ficou algumas semanas sem frequentar a “Casa de Sr. Artur Moraes” e certa noite foi ao encontro da putinha, pedindo desculpas e lhe oferecendo uns presentinhos. Ela aceitou as desculpas.

Apaixonou-se por uma morena e veio a casar-se prometendo mudar de vida. Não suportou a vida de casado e começou a dar suas puladas de cerca e frequentar o meio da boemia, trabalhando pouco e faltando tudo em casa.

A mulher, vendo que não devia se acomodar e não querendo ser infiel, foi tentar a vida em São Paulo. Arranjou emprego em uma pequena indústria de roupas, onde se destacou como boa funcionária. O proprietário apaixonou-se por ela e passaram a viver juntos; ela se desdobrava para agradar o gringo que, após alguns anos, lhe pede em casamento. Ao que ela responde que não se desligara do marido. Ele combina que ela volte ao Nordeste, contrate um advogado e faça a separação oficial. Ela concorda e retorna a Santana. Procura Natalício, expõe sua vida ao lado do gringo e lhe pede para fazer a separação amigável. Ele medita um pouco e lhe pede uma indenização. Ela se espanta e diz nunca ter sabido dessa condição. Ele então diz: “Você se lembra a quanto tempo me deixou?” Ela responde: “há 23 anos”. Ele olha pra ela e diz: “Você acha que eu vou dar esse tempo todo de corno de graça?”. Após Muita conversa ela lhe oferece 500 reais. Ele pede 1000 reais e ela concorda.

Ele continua a vida de caneiro e boêmio até que, certo dia, regressando alta noite, sentiu-se mal e encostou-se no balaustre da ponte, desmaiou e caiu dentro do rio onde veio a falecer.

E assim mais um boêmio deixa nosso meio social, onde alegrou muita gente com seu bom humor.

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