Talvez muitos dos amigos não tenham lembranças ou não vivenciaram a época em que Santana era sitiada por cercados cujos proprietários eram pessoas bastante conhecidas, alguns simples outros mais arraigados as suas terras. Naquela época as brincadeiras da molecada eram diversificadas e todas bem assistidas. As peladas nas ruas ou nas propriedades de pais em que seus filhos participavam das risotas; as pescarias e os banhos no rio Ipanema; os jogos de chimbra, pião; o “ouri e busca”; a cara ou coroa; as notas de cigarro; as estórias de trancosos; o garrafão; as bicicletas de aluguel e as caçadas, tudo isso fazia parte do nosso universo, éramos todos um “Pequeno Príncipe” a bordo de uma nave cujo rumo rodopiava em torno das nossas aventuras.
As festas de Senhora Santana e Nossa Senhora da assunção, o carrossel, a onda, o barco, a roda gigante, os telegramas íntimos, o viva a Senhora Santana pelo Padre Cirilo e as ladainhas dos fogos pirotécnicos de Zuza Fogueteiro, foram acontecimentos que morreram no tempo, mas, que ainda permanecem vivos nas lembranças do santanense. Também existiam os momentos do medo: medo de Justino, o Barba Azul; das respostas de Mirindão; do careta macabufa, do Papafigo; do lobisomem, das almas penadas e do canto lôbrego das rasga-mortalhas na torre da igrejinha. No entanto, entre todos os momentos felizes vividos nas brincadeiras, o jogo de bola e as caçadas com “peteca” foram as que mais marcaram a minha vida de menino levado.
Mas, não brinquei, não corri, não chorei e não sorri sozinho, havia os amigos que fizeram parte do elenco das brincadeiras e dos medos que senti. Um deles, Benedito Soares, com quem caminhei por muitos anos nas estradas das nossas fantasias. Para nós o céu não era o limite e nem o horizonte escapava as nossas imaginações.
A casa onde morou Benedito era a porta de acesso ao imenso cercado que existia ali, desde a ladeira de estrada de barro onde morou Seu Antônio Redondo até a mercearia de Seu Felinho nas proximidades do Asilo São Vicente. Em frente ao cercado de Seu Antonio Vicente, o pai de Benedito, ficava a casa de Seu Antonio Delfino, genitor de Gaspar, Juarez (Beinha), Zé Francisco (Zé Mosquito), Agamenon, Vageane, Paganine e Queraban. À esquerda situava-se o sítio de Seu Miguel Bulhões que se comunicava com os cercados de Seu João José e Seu Zé Ilia (era assim que o chamávamos). Certa vez estávamos em uma caçada, eu já havia matado cinco rolinhas e um preá, enquanto o velho Biu se conformava com um peloco de caga-sebo, uma tonta e uma bizunga que lhe fornecera o coração extraído a dente, e que segundo a crendice servia para afinar a pontaria. Após percorremos quase todos os cercados das vizinhanças, restava-nos agora entrar no sítio de Seu Miguel Bulhões pelo cercado de Seu Zé Ilia, ali onde existiam vários pés de angico que servia de sombra e abrigo para as cordonizes, nambus e rolinhas. Estávamos animados, diante daquele santuário proibido. De repente percebo o Biu vindo em minha direção numa velocidade do raio. Perguntei-lhe, o que houve? E o amigo cansado vomitando a gagueira falou: “Ne - negão, Seu Mi-Miguel Bu-bu-lhões, vamos dar a bu-bufa de retirada.
A BU-BUFA DE RETIRADA
CrônicasRemi Bastos 10/09/2012 - 10h 58min

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