O rapaz saiu de sua cidade pequena e sem condições de sobrevivência, principalmente, para ele, jovem estudioso e com perspectivas para o futuro. Desde criança mostrava-se interessado para o estudo. Sua mãe, mulher simples, sustentava a família com pequenos trabalhos manuais. Mesmo assim, reservava uma quantia em dinheiro, do que recebia do trabalho, para o seu filho estudar na capital. A filha ficaria ali, poderia ajudar com as despesas familiares. Peter não concordava que as duas se sacrificassem por ele. Mas, tudo, seria para garantir o futuro da família. Tornando-se um doutor, aplacaria a miséria que acometia a família. A mãe ficou viúva logo cedo. O pai bebia e não foi responsável com a mulher nem com os dois filhos. O vício apressou sua morte. A mãe de Peter jurou para si mesma e para os filhos, que sairiam da miséria, quando o filho fosse um advogado.
Chegou a hora de o rapaz deixar a família e a cidade pequena. Com alguma roupa e a quantia acumulada pela mãe, durante alguns anos, o jovem partiu cheio de responsabilidades e a vontade de cumprir o desejo da mãe. Para ele, não seria nenhum sacrifício, gostava de estudar. Confiava que tudo daria certo. Lá, na nova vida, estudava, fazia amigos. Não foi difícil conseguir trabalho. Como bom estudioso em línguas, trabalhava de tradutor. Com a quantia recebida da mãe e o que adquiria com as traduções, pagava a pensão e levava uma vida normal de estudante. Crescia o número de amigos, e com isso, as despesas aumentavam. Estudava, trabalhava, divertia-se. Não era um estudante de família abastada como outros, assim, o que a mãe mandava e o que recebia das traduções não cobria os gastos.
Iniciava-se uma nova fase para o rapaz. Entendia sua situação, no entanto, tudo isso era corriqueiro, precisava levar uma vida como os colegas estudantes. Para isso, sonegava o pagamento da pensão. Situação complicada. Recebia cobrança. De princípio, desculpava-se, depois, chateava-se e evitava encontrar-se com a proprietária. A consciência o acusava. Passou a empenhar alguma coisa de valor que possuía. Havia ali, naquela grande cidade, todos os serviços possíveis para apaziguar débitos. Faca de dois gumes, palavreando o dito popular. O que fazer? Nestas horas, vale tudo. O rapaz tornou-se um frequentador assíduo da casa desta mulher. O pior, é que não amenizava suas dívidas, como também suas dúvidas. Ao ponto de pensar em cometer incoerências maiores e sem volta. Afastou-se do estudo, do trabalho, dos amigos. Perambulava pelas ruas, sem rumo, sem perspectivas, nada fazia, a não ser martelar os pensamentos que o atormentavam.
A mãe e a Irmã, alheias ao que se passava com o rapaz, fizeram planos para o futuro. Nem era a irmã que fazia seu próprio futuro. A mãe se encarregava de planejar o futuro dos filhos. Agora, planejava casar a filha com um indesejado, só porque, segundo ela, poderia oferecer uma vida boa para todos. O futuro marido da filha abriria um negócio, em que, o seu filho pudesse sair-ser muito bem com a sociedade. A filha faria um bom casamento, e todos seriam felizes. Não sabia a mãe, que o filho não mais seguia as normas que ela traçou para ele. Depressivo, sem ânimo algum, sem perspectiva. Ao receber a carta de sua mãe, relatando todo seu plano, sobre suas vidas futuras, ele, martirizava-se para encontrar uma solução. Não aprovou a realização daquele casamento, que, certamente, seria a infelicidade da irmã. Um casamento arranjado. Um homem inescrupuloso, de meia idade, uma jovem, e o interesse da mãe em arranjar a família.
O jovem que já andava sem rumo, escondendo-se dos colegas, do trabalho, do estudo e principalmente da proprietária da pensão, com o casamento da irmã, encontraria uma saída? Como falar para a mãe que não estava estudando? Mentiria para a mãe? Já empenhou o que possuía algum valor. Agora vivia em trapos. Que nenhum conhecido o notasse pelas ruas, sem rumo, parecia mais um espectro humano, vagando e desanimado. Poderia viajar e tentar convencer a mãe. Não queria que a irmã atentasse a nenhum sacrifício para ajudá-lo. Não tinha dinheiro nem para alimentação, muito menos para viajar. As coisas que empenhou, não renderam o suficiente, serviu para aplacar um pouco a fome. Havia uma solução. A velha morava sozinha, não seria difícil tomar algum dinheiro emprestado. Ou seja, tomar emprestado é uma maneira amena de colocar as mãos no alheio. E se ela resistisse? Sua cabeça doentia viajava na imaginação e planejava o óbvio. Se a velha reagisse? Seria preso e cairiam por terra todos os sonhos da mãe. Mas, não era por a mãe que ele queria ser alguém? Não tinha mais nenhuma expectativa nem para o presente. Dominaria a velha e tudo seria resolvido. Não deu certo. Só sabe que foi dominado por uma força maior que a sua. Na cadeia, em uma cidade grande, sem amigos, sem ninguém, esperou, vendo o tempo quase não passar, um futuro incerto, em uma atmosfera nostálgica. Ali, nem sua mãe, com todos os seus sonhos, poderia mais planejar sua vida futura. Claro que, casando a filha com aquele noivo, advogado inescrupuloso, poderia livrá-lo da prisão. O jovem inteligente ficaria subordinado sua vida toda. A mãe diria, pessoa boa, salvou-o da prisão. Casou com sua irmã, é justo que devemos a ele tudo. E o rapaz que era sensível e inteligente entendia tudo isso e muito mais. Seria melhor nunca mais sair da prisão? Pensava, e, só era o que podia fazer. Qual a pior dependência? Qual a melhor liberdade? Ou seja, qual seria o preço de sua liberdade?
Texto inspirado em Crime e Castigo de Dostoiévski
CARGA PESADA
Contospor Lúcia Nobre 01/06/2012 - 13h 52min

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