CASAMENTO MODERNO

Crônicas

Carlito Lima

Numa luminosa manhã de praia eu saboreava acarajé com cervejinha gelada quando alguém me tocou ao ombro, reconheci Ubiratã, não o via há anos. O homem ao envelhecer tende a engordar, a cair cabelos, Bira não é exceção. Sentou-se a meu lado puxando conversa, recordações dos anos 80, trabalhamos juntos. Perguntei pela namorada da época, Jeane uma bela e sensual jovem. Bira contou-me sua vida. Engravidou Jeane, casou-se, foi morar com os sogros. Tiveram dois filhos, hoje rapazes. O casamento durou 10 anos, largou a mulher, os filhos, os sogros, foi viver sozinho.
Como se tivessem surgidas do mar, apareceram duas mulheres molhadas, sorriso nos lábios, Ubiratã me apresentou-as. Ruth, morena, pele de um marrom café-com-leite, cabelos crespos, rosto redondo, olhos negros salientes, nariz achatado e lábios carnudos. A outra, Quitéria, pele alva, rosada, cabelos pretos como uma graúna, rosto oval, nariz afilado, o sorriso dava um toque de sensualidade em sua boca carmim molhada. Simpáticas e gostosas vestiam minúsculas tangas. Avaliei-as entre 30 e 35 anos de idade.
Conversamos por mais de uma hora, todos bem humorados pela exuberante manhã de maio. Ruth é de Palmeira dos Índios, terra de bonitas mulheres, ainda menina veio para capital com os pais. Quitéria é de Salvador, mora em Maceió desde que fez um curso de enfermagem, só vai à Bahia de visita. As duas têm muitas coisas em comum, são bonitas, sensuais, enfermeiras. Pediram licença, retornaram a caminhar na praia, Bira aproveitou, contou-me o resto de sua vida.
Atualmente é chefe de vendas de cervejaria, conheceu Ruth num Hospital ao fazer alguns exames. A amizade continuou, ele afim da jovem, paquerou, assediou. Teve grande decepção quando Ruth confessou morar com uma colega de hospital, eram namoradas. Ele ficou chocado com a sinceridade. Conheceu Quitéria numa festa, tornaram-se amigos. Bira tinha suas paqueras, suas namoradas, entretanto, gostava de sair com as duas amigas comprometidas, achava-as divertidas.
Certo dia Ruth telefonou, sua mãe havia morrido. Bira foi ao enterro, deu apoio à amiga. Na missa de 7º dia, Ruth lhe fez uma proposta: o apartamento de três quartos herdado da mãe ficou grande para o casal, Ruth gostaria de alugar um quarto do apartamento, por que não ele? Vivia sozinho, perambulando nas casas de tios e irmãos.
Ubiratã aceitou, foi morar junto ao casal, acertaram pagamentos e algumas normas para viverem em harmonia, ele sentiu-se confortável, não houve problemas de convivência entre os três. Passaram-se alguns meses até que certa noite de sexta-feira Ruth foi dar plantão no Hospital, Quitéria estava a fim de tomar um porre, Bira acompanhou a amiga. Numa barraca de praia ficaram até mais tarde bebendo e conversando, o álcool derruba barreiras, preconceitos, desinibe, as pessoas ficam mais verdadeiras. Quitéria confessou, notava seus olhares pra cima dela, ela também gostava de homem, sentia uma forte atração pelo amigo. Depois da meia-noite, foram para casa cantando pela rua. Bira tomou banho, deitou-se. Ainda não havia pegado no sono quando Quitéria entrou no quarto, vestia apenas a calcinha. Bira olhou-a, deu-lhe taquicardia, sentou-se na cama, ela se aproximou, em pé encostou-se abraçando a cabeça de Bira. Deitaram-se, beijaram-se, amaram-se com fúria de apaixonados. Depois do amor, cabeças no lugar, resolveram falar a verdade para Ruth, não podia haver traição entre eles, passaram o sábado se amando, bebendo e confabulando.
Ruth chegou quando os dois assistiam o Jornal Nacional, sentiu que havia alguma coisa no ar. Os três reuniram-se à mesa, com ajuda de uma garrafa de uísque confessaram o que havia ocorrido. Ruth calada ouviu atentamente a história. Havia um clima de expectativa e constrangimento entre eles, ficaram calados se olhando, minutos de silêncio. Até que Ruth levantou-se, aproximou-se de Bira, baixou a cabeça e deu-lhe um beijo ardente em seus lábios. Nessa noite tremeu a terra, no apartamento aconteceram inimagináveis cenas de amor.
Mês passado os três comemoraram quatro anos juntos. Agora querem um filho, adotado.
As meninas retornaram da caminhada trazendo acarajé e cerveja, bebemos até mais tarde. Quando passamos dos setenta anos pensamos que já vimos tudo na vida, de repente nos surpreendemos com o ser humano. Conheço bígamo, trígamo, casamento gay, casamentos modernos, não havia imaginado um trio amoroso oficial. Os três, na maior felicidade, convidaram-me para padrinho do menino.

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