VELHO MÃO DE ONÇA

Crônicas

Remi Bastos

Quem não se lembra dessa figura tão popular que perambulava pelas ruas de Santana do Ipanema nas décadas de 70 e 80? Nunca soube o seu verdadeiro nome, todos os conheciam por “Mão de Onça”.

De baixa estatura, cor clara, conservava em uma das mãos um pequeno defeito que o tornara conhecido pelo epíteto “Mão de Onça” ou simplesmente Mão. Cresceu provando as intempéries da vida nas ruas de Santana, sem nunca ter a oportunidade de freqüentar um banquinho de escola, também não conheci seus pais e suas origens.

Foi um menino diferente que expressava certa anormalidade, caracterizada pelo seu jeito de andar e falar com as pessoas, mas nunca se mostrou agressivo, mesmo quando era importunado. Lembro-me quando a meninada lhes faziam gozações um tanto provocativas, a sua reação era de fingir arremessar algo, uma pedra que nunca foi lançada.

O único ofício de Mão de Onça era riscar os carros da cidade. Às vezes um cidadão adquiria um carro novo, e ao menor vacilo, o Mão deixava a sua marca registrada.

No mês de julho, período em que Santana recebe muitos turistas, por ocasião da Festas da Juventude e de Nossa Padroeira Senhora Santana, era justamente nessa época em que o Velho Mão de Onças aproveitava para aperfeiçoar a sua arte de mesclar os carros. Agia silenciosamente sem que fosse percebido, era Zorro da Chaparia. Quando alguém o interceptava para saber o motivo pelo qual o levou a riscar tal carro, a sua resposta era simplesmente esta: Não é risco, é defeito de fábrica, e se afastava sorrateiramente.

Estive agora no mês de julho em Santana, como costumo fazer todos os anos, e depois de um longo tempo, casualmente encontrei o Mão de Onça solitário, sentado em um batente de uma mercearia, ali em frente a Barraca de “Dona Ciça”, próximo ao Mercado Público. Aquela cena me comoveu. Naquele momento extrai dos dias passados a jovialidade daquele pobre ser, que já não se mostrava mais aquela figura temida pelos proprietários de carro.

Envelhecido, cabelos bastante grisalhos, deprimido pelos encantos das bebidas alcoólicas e em estado de desnutrição aparente. Dirigi-me ao seu encontro, lhe fiz algumas perguntas, se era realmente o Mão de Onça, e a sua resposta foi afirmativa. Aproveitei a ocasião para registrar uma foto sua. Retornei a Barraca de Dona Ciça onde ficaram me aguardando, Brito, Dr. Hugo e Mitinho.

Passado algumas horas voltei o meu pensamento à figura do triste Mão de Onça e mais uma vez me senti comovido por não ter-lhe oferecido algo para comer, quando o procurei já não se encontrava mais no local. A vida nos faculta os dissabores, ninguém pede para ser infeliz, no entanto, somos colocados pelo destino à prova do infortúnio.

O Velho Mão de Onça é o testemunho dessa infelicidade, sem um lar, sem uma companheira e sem rebentos. Não importa o seu estato social nem a sua cidadania, para mim, acredito, somos todos iguais, porque acima de tudo acreditamos em um Deus que na sua infinita bondade e misericórdia terá compaixão deste ser cristão.

Aracaju/SE, 13/09/2010.

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