FRANCESCA

Crônicas

Carlito Lima

Primeiro Amor
Quando Quitéria, doente, foi a Juazeiro, rezou ao padre Cícero, o santo nordestino. Ela jurou, se ficasse boa, colocava o nome da criança que estava em seu ventre de Cícero, homenagem ao santo. Assim que Cícera nasceu, o pai batizou a linda criança morena na Igreja de São Benedito, perto do Vergel do Lago, onde moram.

Cicinha cresceu livre à beira da lagoa Mundaú. Quando pegou corpo, tornou-se a cobiça dos homens; seu gingado deixa qualquer vivente, mortal, comovido, sangue fervendo. Caminha em ondas.

Aos 15 anos conheceu Zezão, boêmio, tocador de violão, lábia de mulher se apaixonar na hora. Certa noite o cabra safado levou-a de moto à praia do Sobral, lua cheia, sexta-feira 13. Cícera derramou, encharcou a areia branca de sangue, deu sua virgindade. Nada disse aos pais, apenas medo de engravidar. Zezão saiu algumas vezes com ela, depois largou. Foi uma época cheia de dúvidas na cabeça de uma adolescente.

Primeiro emprego
Cícera conheceu e saiu com alguns malandros da laia do Zezão, maconheiros, traficantes, pessoal barra pesada do bairro. Desempregada, ofereceram grana para entregar pó branco, ela achou perigoso, não foi. Certa vez uma vizinha procurou-a, conversa delicada, uma senhora pedia a presença de Cicinha em sua casa, nada perderia conversando com a madame. Era uma cafetina conhecida, morava no bairro do Trapiche, arregimentava garotas de programa pelos bairros carentes das redondezas, meninas bonitas. Deputados, senadores, capitão e coronel eram fregueses da cafetina; ela escolhia, só tinha material de primeira. Ao chegar, Cicinha já tinha a noção da conversa, mesmo com apenas 17 anos. Entretanto, não era obstáculo, era ponto positivo. Assim que ela tirou a roupa no quarto, a cafetina ficou encantada, os olhos brilharam pensando no dinheiro que ganharia. A primeira vez foi com um médico famoso, 50 anos, bonito, ela adorou o tratamento do educado doutor nos motéis da cidade. Vibrou com o que recebeu, 30% repassou para a cafetina. Cícera mudou sua vida. A cafetina telefonou para clientes especiais oferecendo carne nova, eles se realizaram. Cícera amava os prazeres da carne, sem preconceitos.

Depois de dois anos, resolveu sair da lista da cafetina, partiu para o trabalho solo, aliás, há algum tempo já atendia clientes sem o intermédio de Janice, a cafetina. Colocou anúncio no jornal. Era excelente prestadora de serviços, os homens adoravam a eficiência. Cícera chegou a comprar um carro usado, fazia atendimento a domicílio.

Itália
Foi durante o verão de 2004, a italianada invadiu o Nordeste, comprando com seus euros, terrenos, casas e mulheres. Paolo Rossi, coroa calabrês, conheceu Cícera comendo acarajé defronte ao Hotel Meliá, a morena cor de tofe, dentes e biquíni brancos, expirando sensualidade por todos os poros, sorriso nos olhos, enfeitiçou o italiano. Paolo puxou conversa, beberam cerveja, pinga, terminaram num motel. A partir daquele dia Paolo nunca mais deixou Cicinha. Levou-a para Itália, seus pais, da Calábria, obrigaram a se casarem. Cícera encantou o sogro, até a sogra. Hoje vivem na Europa, têm um filho de dois anos. Nesse último verão resolveram retornar a Maceió em férias, alugaram uma bonita casa mobiliado em Paripueira em frente a um marzão que não tem tamanho, marolas na areia branca. Cicinha não queria ver parentes, nem amigos, mal visitou a mãe. Incrivelmente, mudou de nome, não era mais Cicinha chamava-se, Francesca, o marido aceitou a tolice da esposa; para não errar, só lhe tratava como, “amore mio”.

O Terreno
O casal resolveu comprar um bom terreno, procuraram, descobriram um maravilhoso defronte à praia em Ipioca, na placa havia o número do corretor.

No outro dia ela ligou falando com sotaque ítalo - hispânico:

- “Ola! El señor és dono de tereno en la playa de Ipioca para vender?”

Do outro lado, Américo, um corretor malandro, negociou, acertou preço, marcaram para no dia seguinte no cartório passar a escritura, Américo levaria o proprietário, Dr. Saulo, conceituado médico, era viúvo, bastava sua assinatura.

Às nove da manhã, no cartório, sentados esperavam, o corretor e o Doutor Saulo, Américo vibrando pela corretagem que iria ganhar, dava para pagar os livros do menino.

De repente, entra o casal, o italiano e a morena. Surpreso Doutor Saulo, não se conteve, não segurou a goela.

- “Cicinha, menina, por onde você anda?”

Ao reconhecer o médico com quem tanto saiu, Cícera o cumprimentou acanhadíssima, apavorada, passou mal, pequeno desmaio, pediu ao marido, queria voltar para casa. A venda não foi realizada. O casal Antecipou o retorno para Itália, por insistência de Francesca. Quem mais sofreu foi Américo, contava com aquele rico dinherinho da comissão para o livro dos meninos.

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