ALGUMA COISA CHAMADA AMOR

Crônicas

Por Goretti Brandão

Extraído da música As aparências enganam, interpretada por Elis Regina e da autoria do compositor Sérgio Natureza, o título do texto, no mínimo, suscita um estranhamento: Alguma coisa chamada amor. Em suas obras, Shakespeare, ator, escritor e dramaturgo, nos apresenta um ideal de amor romântico inantingível, mas que por incrível que pareça, ainda é o parâmetro de amor em pleno séc. XXI. Mas o que há de errado nesse modelo de amar, no qual os amantes não conseguem viver, um sem o outro? Não seria essa forma, a mais sublime expressão de amor?

Apesar de todas as transformações acontecidas no mundo e consequentemente na vida, apesar de estarmos presenciando uma enorme mudança na estrutura familiar e nos relacionamentos, continuamos a sonhar, como premissa para a nossa experiência amorosa, pelo ideal de amor shakespeareano. Continuamos sim. Mesmo quando os jovens, hoje, vivenciam relacionamentos instantâneos e de pouquíssima duração. Até quando esses relacionamentos estão (des)norteados pelo uso irresponsável do outro, pelo prazer momentâneo, (o que na verdade reflete a ideologia do consumo, onde as pessoas também se transformaram em mercadoria barata, por sinal), está implícita a natureza do amor romântico, novelesco, apaixonado.

Amar tendo como modelo o amor romântico, não quer dizer realizar a tragédia que finaliza a história de Romeu e Julieta, mas significa, infelizmente, viver um relacionamento onde o Eu e o Tu é dissolvido para formar Um apenas. Isso quer dizer que esse modelo de amar, exclui a possibilidade de ao invés de Um, nos tornarmos três: Eu, Tu e o Relacionamento, onde o amor se encontra presente, como resultado do entrosamento entre duas pessoas, que continuam sendo distintas. O amor shakespeareano é o espelho do amor na Idade Média. Outro romance: Tristão e Isolda, de tradição popular, reconstituído por Joseph Bédier, dá conta desses, digamos, mecanismos de amor, onde não é o amor, mas a paixão o ingrediente que funciona no relacionamento.

A interpretação que damos sobre alguma coisa chamada amor, é sempre (arrisco-me a dizê-lo) maior do que é possível ser vivenciado por um ser humano mortal. Porque o que buscamos é a projeção do que há de melhor em nós mesmos, no Outro. O que há de melhor e que não vivenciamos ainda, esperando sermos completados. Precisamos ser inteiros. Isso retira a paixão inicial da proximidade entre duas pessoas do lugar que cabe ao amor.

Afinal... o que é essa coisa chamada amor? Seja talvez o exercício mais complexo da vida. Aquele que exige de nós que sejamos apenas humanos, aceitando que a perfeição que buscamos no outro, a realização plena, a plenitude eterna não existe. É então quando a palavra começa a ter significado. Amar não é um fim em si mesmo. É um exercício que nunca acaba. De paciência, tolerância, respeito mútuo, cumplicidade e humildade, no que diz respeito à nossa compreensão de que os romances de amor, só se realizam nos livros.

Se Romeu e Julieta não tivessem morrido? Como seria a continuação do romance? Podemos imaginar Julieta lavando, passando, cozinhando, criando filhos e envelhecendo? E Romeu chegando cansado do trabalho, cheio de contas prá pagar e mal humorado?. Shakespeare dá à sua história de amor o final correto. O amor romântico, no dia à dia, não procede, porque esse tipo de amar não é humano. É apenas um ideal.

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