O ESTADO PODE TUDO?

Crônicas

Marcos Cintra

A imprensa local abordou com abundância o tema “Tutela Antecipada” fazendo menção ao posicionamento de determinado Juiz da Capital, quando, usando das suas prerrogativas legais, ordenou que fossem retidos recursos da conta do Estado para pagar débitos salariais de determinada classe.

Vejamos como um cidadão comum, com pouca intimidade com as matérias de direito consegue vislumbrar o problema.

João da Silva é um funcionário público, elemento de classe média, reside em bairro da mesma classe e tem como única fonte de renda o salário que recebe através da Secretaria da Educação. Sem receber há 06(seis) meses, experimentou os seguintes constrangimentos:

a) - os filhos perderam o ano letivo porque ficaram inadimplentes com a escola;
b) - perdeu o crédito no armazém e não mais consegue abastecer a despensa;
c) - o carro foi tomado pela Administradora do Consórcio através da justiça;
d) - o proprietário do apartamento entrou com ação de despejo e foi obrigado a ir morar com a sogra ;
e) - os conflitos conjugais motivados por problemas de ordem financeira culminaram com um pedido de separação por parte do cônjuge virago, também perdendo a guarda dos filhos;
f) - seu nome foi parar no SPC e outros institutos que cadastram os maus pagadores.

Orientado por um advogado, ingressou com uma Ação Ordinária de Cobrança , com pedido liminar de Tutela Antecipada. Após analisar com cuidado os termos da petição inicial , o Dr. Juiz decidiu por conceder o referido benefício, determinando ao Banco que efetuasse a devida retenção para o pagamento do débito. Atendendo recurso impetrado pelo Dr. Procurador Geral do Estado - que alegou inconstitucionalidade do ato- , o ilustre Presidente do Tribunal de Justiça cassou a referida liminar. O pobre do João da Silva ficou confuso e até hoje não consegue entender as particularidades processuais que determinaram que ele deveria continuar inadimplente, pobre e desmoralizado.

Estava coberto de razão o Dr. Procurador que acenou com o artigo 100o. da Constituição determinando que em tais casos, o Estado deverá pagar através de Precatório Requisitório.(Dívidas judiciais de um ano para pagamento no orçamento do ano seguinte).

Também estava certo o Dr. Juiz que concedeu a Tutela Antecipada, convencido que foi pelos argumentos elencados.

Como os dois participantes do processo estavam com a razão, só resta culpar o pobre do João da Silva pelo fato de ser um cidadão comum entre os milhões de brasileiros.

Se a ação fosse contra uma empresa privada a Tutela Antecipada poderia ser concedida. Contra o Estado, nem pensar.

O Estado destruiu o ensino público, obrigando o João da Silva a comprometer grande parte do seu salário para colocar seus filhos na escola particular. Aniquilou a saúde, forçando o pai de família a pagar altos valores aos Planos de Saúde. Destruiu a capacidade arrecadadora estadual provocando em conseqüência o caos entre o funcionalismo público ao sustar o pagamento de salários.

Se um Banco ameaça “quebrar”, o Estado cria o PROER e chama o João para participar da conta. Se o Ministro da Saúde ameaça abandonar a pasta por falta de verba, inventam uma tal de CPMF e chamam o João para contribuir compulsoriamente. Quando o João recebia normalmente os seus salários, abriu uma poupança no Banco e o mesmo pagava rendimentos inferiores a 1%.Quando deixou de receber os seus proventos e foi tomar dinheiro emprestado no mesmo estabelecimento de crédito,cobraram juros de quase 10%.

Agora insistem em matar o João da Silva.

De fome!!!.

Pode?

Obs. Esta crônica foi escrita no ano de 1999. Qualquer semelhança com o quadro atual é mera coincidência.

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