A BODEGA DE “SEU” OZÉIAS

Crônicas

Fabio Campos

A Bodega de Seu Ozéias.Tinha três vãos de portas. Era uma construção antiga, de fachada simples, sem marquise. Pintura velha, em alguns cantos descascada. Paredes antigas, de tijolos dobrados,maçiços.

Ficava ali, espremida entre a casa de Seu Esdras e D.Mirian Seu Artur e Felício de esquina, e a casa de Dona Cristina (Mãe de Sílvio Bulhões). Bem no comecinho da rua Coronel Lucena Maranhão.

Convido você leitor, para comigo, nas asas da imaginação, adentrarmos ao ambiente: O piso é de tijolo batido. O cheiro de gás(querosene), que ali se vendia fracionado, invade as narinas de quem entra , misturado com o cheiro de fumo de rolo, e mais o de “misturada” :cachaça com raíz de pau dentro.

O balcão é de tábuas grossas, de madeira escura. Cheio de manchas, dos restos de cachaça jogados no roda-pé.

Há muita poeira nas laterais, o lastro é todo riscado de faca. Atestando seu vasto tempo de uso. É um balcão inteiro, vai de um canto ao outro das paredes e desce até o chão. Não tem pés. Sujo que só! No meio o balcão é dividido por uma daquelas portinholas dupla uma que abre pra cima e outra pra fora. Em cima, uma bandejinha com uns copos pequenos e encardidos, daqueles que tem dois dedos de vidro no fundo : O conhecido "Engana-bêbo”.

Um pilé de jornais velhos com um pedaço de ferro, servindo de peso, de um lado. E do outro, uma vitrine-baú, cheia de pães num compartimento e sabonete Gessy, gilete Azul e Creme de barba Bozzano noutro.

Nas prateleiras, ao fundo, amarradas com arame pra não cair, muitas garrafas de cachaça, a maioria vazias, só algumas contendo líquido. Chama-nos a atenção à variedade de marcas: Roquete, Dois Galos, Três Fazendas, Serra Grande, Caranguejo, Mucuri e Pitú das antigas, ainda com tampa de fundo de cortiça e outras marcas mais.

A estatueta de um “preto velho” sentado. Um pôster da seleção “canarinha”, do técnico Zagallo quando conquistou a Copa de 70, cheio de poeira. E um calendário do Biotônico Fontoura, num canto mostra a foto de uma criança muito feliz e o desenho do Jeca Tatu .

Um pedaço de arame pende de um dos caibros roliço do teto, em forma de anzol, içando no ar, um punhado de pedaços retangulares de papel de embrulho marrom. Uma lata redonda das grandes de Sardinha do tipo ‘Pior sem ela’, aberta aguça o faro de um gato dormindo em cima de um saco de feijão.

Uma caixa de sabão Marquês. Uma balança Filizola de dois pratos.Um cofre “Universal”. Muitas caixas do refrigerante Fratelli-Vita vazias. Uma gaiola com um Papa-capim. E muita, mas muita teias de aranha nos quatro cantos do recinto completa a decoração.

Protagoniza essa crônica o dono da bodega: Seu Ozéias. Vamos encontrá-lo, ali, no seu habitat natural, atrás do balcão. A princípio se faz necessário esclarecer que Seu Ozéias era um contumaz leitor de Revistas em Quadrinhos.

Para os seus fregueses, era comum encontrá-lo de cara enfiada num livro, jornal ou gibi.Alguns garotos como eu na época, estabelecia com seu Ozéias um acordo: ele juntava rótulos de carteira de cigarros: Gaivota, Astória, Continental, Clássicos, Kent, Consul, Chesterfild,etc., em troca de alguns gibis. E ele era assim, homem de pouca conversa, sisudo, ”desligado”, como se vivesse em outro mundo. Cabeça grande, caucasiano, cabelo cortado ao estilo Alemão (como os soldados de hitler: meia Cuia!), bigode já pintando de branco, barba por fazer, óculos de hastes preta sempre na cara.

E tinha Chicó, um empregado do hotel de Dona Beatriz, cuja função era do tipo assim: “faz-de-tudo” desde moleque de recado até esgotador de fossa. Era um caboclo franzino,atarracado, bigodinho a La Cantinflas. As primeiras horas do dia. Assim que uma das portas da bodega se abria, Chicó entrava para tomar a primeira, de uma série de doses de cachaça que tomaria ao longo do dia.

Entrava e proferia a seguinte frase interrogativa: - Ozéias, qual é a embarcação dos Bêbos? Ao que ele respondia: - É o BOTE! - Então BOTE...uma pra eu beber!

Dizem, que a mania de referir-se a embarcações náuticas, ele adquirira em sua terra natal Pão de Açucar. Hábito que Chicó não abandonou nem na hora da morte. A companheira percebendo que sua hora era chegada, pede a filha: Ô menina trás a VELA! Entre um fio de voz e um último suspiro, ele ainda consegue pronunciar: -Precisa não, eu vou remando mesmo...E morreu.

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