Primeiro capítulo.
... Depois de não ter obtido êxito no meu ingresso ao Colégio Marista através de uma carta concedida pelo Deputado Federal Padre Medeiros Neto, meu velho pai vendo o meu desejo de cursar uma faculdade, e, depois de sermos informados por uma ex-colega do Ginásio Santana, Maria do Carmo, irmã do Padre Alberto, que Deus a tenha, de que o Colégio Estadual de Palmeira dos Índios ou Colégio Estadual Humberto Mendes estava realizando matrículas para estudantes dos cursos ginasial e científico, atualmente, ensinos fundamental e médio. Mais uma vez a benevolência e o sacrifício do meu pai atuaram no campo dos meus ideais. Viajei a Palmeira numa carona simples a bordo da mercedinha de Milton Ventão, genro de Seu Eugênio Teodósio. Carona simples porque não teve parada nem para o cafezinho em razão da distância, apenas 60 km.
Na cidade que seria mais tarde a minha anfitriã visitei todos os hotéis possíveis não imagináveis em busca de um abrigo mais em conta que pudesse amenizar as despesas que o meu pai teria para me manter nos estudos. Finalmente descobri o Hotel Brasil cuja proprietária era uma senhora de seus 45 anos por nome de Nair Brandão parente do nosso inesquecível e saudoso Zé Lemos. O referido hotel ficava situado a Rua Major Cícero de Góis Monteiro, nas imediações da Casa de Saúde Dr. Remi Maia e o Tiro de Guerra. Ainda recordo-me a mensalidade depois de algumas insistências junto à proprietária, CR$ 15,00 (quinze cruzeiros), quantia suficiente para deixar meu pai nervoso, mas sem condição de hesitar. O velho ainda me propôs fazer concurso para o Banco do Brasil, no entanto, a minha recusa se repetia pelo fato do meu sonho não ser apenas um sonho, mas uma realidade que viria nas asas do meu desejo de ser universitário e me formar.
Após efetuar a matrícula retornei a Santana a fim de providenciar as indumentárias e voltar a Palmeira dos Índios para início do ano letivo do ano de 1964. Mais uma vez me acompanhava a velha maleta de couro de jacaré, o incansável Passo Doble, uma meia dúzia de roupas, uma pasta Kolynos, um desodorante Mistral, um sabonete Dorly e um perfume por nome de "Noite de Estrela, da Avon que havia arrematado de minha irmã Renilce, tudo isso compunha a minha bagagem.
Os primeiros dias foram para mim uma eternidade, quase não conhecia ninguém, no entanto, aos pouco fui me entrosando no colégio, fiz novas amizades, principalmente no hotel onde conheci uma pessoa também estudante do Colégio Estadual Humberto Mendes, que a partir daí tornou-se um dos maiores amigos que tive em minha vida, chamava-se Petrúcio Valter de Melo ou simplesmente Petrúcio Delza ou Petrus. Petrúcio era um dos filhos mais novo de uma família de três ou quatro irmãos. Praticamente vivia só, seus pais já haviam falecidos, apenas uma irmã residia em Arapiraca, enquanto que os outros irmãos viviam em São Paulo e quase não davam notícias. Passamos por dificuldades, sem dinheiro para nos mantermos.
O hotel em que estávamos hospedados fornecia refeições até os primeiros quinze dias do mês, a partir daí Dona Nair alegava não ter mais dinheiro para comprar alimentos, cada um tinha que se virar como pudesse. O Petrúcio ainda tinha alguns amigos onde podia pelo menos garantir o almoço, e eu? Não tinha para quem apelar. Mas conheci outra pessoa com o dobro da minha idade, amigo de quarto, o Zé Silva, sujeito abonado, maranhense, que me socorria nos momentos de crise do Hotel Brasil, sempre me convidava para almoçar e jantar feijão de corda verde com carne de sol nos cabarés da cidade. Zé Silva só andava no luxo, boas roupas e perfumes caros, era um boa pinta e amigueiro. Certa vez notei que o meu velho Passo Doble estava nas últimas, as aberturas laterais evoluíram, o salto quase não existia enquanto o solado já denunciava um pequeno furo na meia. Foi aí que vendo um sapato preto Terra do Zé em baixo da cama no meio de tantos, sem que ele visse, pois ainda dormia, o calcei e fui ao colégio.
Aracaju – 18.11.08
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