A inexistência de energia elétrica aliada à fértil imaginação infantil eram combustíveis poderosos para que as estórias do outro mundo tomassem vida nas agitadas noites de infância e a pequena criança de olhos arregalados não via outra saída senão gritar. Eram gritos que ganhavam todo o quarto, a sala e as demais dependências da casa e não encontrando respostas saiam pela rua e certamente eram ouvidos por algum madrugador de uma das residências próximas!
- Por que grita essa criança? Ora, o que fazem seus pais que não atendem aos seus gritos? Berrava sinhá Maria com voz nasalada e interrompida por ligeiro acesso de tosse originária da ação continuada da nicotina em seus campos pulmonares. Sinhá Maria tossia, tossia ...a criança gritava, gritava e o tempo passava.
No outro dia era voz geral na ruazinha: mas o que aconteceu com Zezinho que mais uma noite gritava tanto?
- Esse menino está doente, não deve tá bem! Respondia uma ou outra vizinha...e o tempo passava.
Passava o tempo só não passava o medo! Passavam as horas e o socorro não chegava! Zezinho, suando em bicas, olhos arregalados, coração a mil ia desfilando à sua frente, atrás, em cima, por toda parte...fogo corredor, papa-figos, lobisomens, fantasmas; um a um a lhe tirar-lhe a tranqüilidade bem como o sono.
A rede mexia-se com a agitação da criança. A penumbra fragilmente quebrada pela luz amarelada do candeeiro colaborava para que a imaginação fértil de Zezinho materializasse na parede sombras enormes significando as mais terríveis e infernais criaturas! A rede balançava continuadamente.E toma grito! Gritos e pedidos de socorro!
- Bem feito, quem mandou ir dormir na nova casa sem a companhia de seus pais, apenas em companhia de seus irmãos que dormem como uma pedra! Bravejava a mãe de Zezinho na manhã seguinte quando a criança vinha contar-lhe as aflições!
- O que ocê viu meu fio? Perguntava a velha “mãe de leite” da família.
- Lobisome, papa-figo, onças, cobras e... desenrolava Zezinho o seu extenso rosário de fantasmas e outros bichos para a velha amiga que carinhosamente ia acalmando a agitada criança com cafunés em sua cabecinha!
- Num será casa malassumbrada sinhá?
- Zezinho foi drumir de rede na casa malassumbrada...é isso, assombração. Vixe Maria! Credo!
- Será mãe Zefinha? Sei não! Logo agora que Bento tava tão feliz com a compra da casa!
- Acho bom mandá benzê sinhá! Cum essas coisa num se brinca! Vixe Maria!!!
- Vou vortá a drumir na esteira caso que drumir de rede na casa nova, Deus me livre!
Tempos depois aproveitando-se a tradição mariana quando os lares eram visitados pelas beatas a fim de fazerem o terço consagrado à Nossa Senhora durante todo o mês de maio, todas as casas da ruazinha foram visitadas...até a casa nova!
- Pronto Sinhá rezamos o terço de Nossa Senhora, amanhã mermo podemos cuidar da mudança! Tenho fé na Virge Maria e no Padim pade ciço que num terá mais assombração na casa.
Mesmo assim Zezinho não quis mais dormir de rede!
E não é que não se ouviu mais gritos do menino nas noites seguintes e até a mudança da família para outras terras muito tempo depois!
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