(ou Foi, aí, Que o Velho Dançou)
- Lá vem o bloco do prefeito! O bloco do prefeito! O prefeito!
Gritava o povo na rua de Misael Alves: "Eu nesse passo vou até Honolulu! Eu nesse passo vou até Honolulu!".
Acontecera à quaresma do velho Misael Alves ou foi, aí, que o velho dançou. Início dos quarenta dias após o Carnaval. Na quarta-feira de cinzas, quando os festejos de Momo despediam-se de Santana, o velho Misael Alves, debruçado à janela sob o Sol, um enfeite no janelão de sua casa no bairro do Monumento. Aquele ano não brincou Carnaval por causa da varíola.
Início do século passado, ainda em formação Santana. Brasil atrasado. Tudo era difícil. As epidemias se alastravam na população.
A maioria das cidades em desenvolvimento. O comércio. A educação. A medicina. O desenvolvimento andava lerdo, principalmente, no interior. Combater epidemias não era fácil. Muitas pessoas, à época, morreram por falta de assistência médica; falta de remédios para se combater as doenças mais simples.
Misael Alves, revelou a sua neta, no tempo em que uma epidemia de varíola se hospedara na cidade, fizera vítima também o meu avô. Doença infecciosa e contagiante.
- Lá vem o bloco do prefeito! O bloco do prefeito! O prefeito!
Gritava o povo na rua de Misael Alves: "Eu nesse passo vou até Honolulu! Eu nesse passo vou até Honolulu!".
Em pleno Carnaval, Santana fervia. Uma semana de festa. Misael Alves, na janela de sua casa, restabelecia-se da varíola. Para aliviar o sofrimento, resolvera assistir a passagem dos derradeiros blocos de Carnaval que desfilavam em sua rua.
- Lá vem o bloco do prefeito! O bloco do prefeito! O prefeito!
Gritava o povo na rua de Misael Alves. O prefeito muito amigo de meu avô, Fiscal Geral da Prefeitura, além de comerciante varejista, um fazendeiro de muitas criações, não poderia passar em branco o seu amigo prefeito. Brincava o prefeito a se despedir da folia. Ora sambista. Ora maracatu. Ora frevo.
- Lá vem o bloco do prefeito! O bloco do prefeito! O prefeito!
Gritava o povo na rua de Misael Alves.
O prefeito doido por votos. Misael Alves entusiasmado, deixara o janelão. Saíra de casa, a perguntar cadê meu chapéu, e se pôs à porta onde ia saudar o amigo. Foi, aí, que o velho dançou. O barulho dos metais.
- Lá vem o bloco do prefeito! O bloco do prefeito! O prefeito!
Gritava o povo na rua de Misael Alves. Aproximavam-se os metais frenéticos. As moças marcavam o passo. Os cachaceiros de duas máscaras: um rosto triste à frente, atrás uma risonha caricatura carnavalesca. Confetes. Serpentinas. As ruas tomadas de cartazes. Bandeirolas nas praças se emendavam às casas. Casarões pesados. Grossas paredes. Tudo colorido.
- Lá vem o bloco do prefeito! O bloco do prefeito! O prefeito!
Gritava o povo na rua de Misael Alves sem cessar. O prefeito deu o braço ao amigo Misael Alves e saíra rebocando o amigo. Apertava o braço ao seu. Meu avô pedia calma, mostrava o braço, fazia careta, deixava escapar algumas lágrimas, gemia, pedia um médico. O prefeito gritava, bufava de alegria. Mandava que o amigo Misael Alves acompanhasse a marchinha: "Eu nesse passo vou até Honolulu!". Com o barulho dos metais, o prefeito não entendia os apelos do amigo Misael Alves.
- É a despedida do Carnaval, Misael. Canta: "Eu nesse passo vou até Honolulu! Eu nesse passo vou até Honolulu!". Canta, Misael: "Eu nesse passo vou até Honolulu! Eu nesse passo vou até Honolulu!".
Meu avô a marcar o passo, a contra gosto, passou horas neste sofrimento. Em plena quarta-feira de cinzas. Quando o prefeito resolveu soltar o braço do meu avô, ele estava com todos os tumores estourados. E todo ensangüentado. Daquela quarta-feira de cinzas em diante, Misael Alves Farias jamais quis assistir despedida de Carnaval. Quem tivesse seu Carnaval que não lhe trouxesse para despedidas.
Conto publicado em 02/04/2007
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