EM QUE VOCÊ SE TRANSFORMA QUANDO ALGUÉM DIZ O QUE VOCÊ NÃO QUER OUVIR?

Pe. José Neto de França

Certo dia, recebi um pequeno vídeo onde uma pessoa, fazendo um questionamento a partir da história de “Branca de Neve”, dizia:

“- Branca de Neve em paz, reino em paz, madrasta em paz, espelho em paz... está tudo certinho; até que um dia a madrasta chega para o espelho e diz: ‘espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?’. O espelho diz: ‘Existe! é a Branca de Neve!’ Aí ela vira bruxa, contrata um caçador, quebra o espelho, toca terror no reino e manda matar branca de Neve. Moral da história: Em que é que você se transforma quando alguém diz o que você não quer ouvir?”

Nos inúmeros atendimentos que já fiz a muita gente (crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos) em meu ministério Sacerdotal, uma significativa parte delas parece querer ouvir algo que não esteja em confronto com o que ela quer ouvir. Às vezes, elas até parecem querer me induzir a uma resposta, favorável, desde que ela, a pessoa, não tenha que fazer algum esforço mental, psicológico, moral ou mesmo algum gesto concreto. Mas sabe-se que a verdade nem sempre agrada. As vezes até machuca, mas é necessário esse “machucar” como processo de uma cura mais ampla. Darei um exemplo claro.

Há alguns anos, um senhor me procurou para falar sobre um problema de saúde de sua esposa e o comportamento dela.

Segundo ele, sua esposa era diabética, cadeirante (uma de suas pernas foi amputada devido a essa enfermidade) e, apesar de saber que perdeu uma perna por consequência do descontrole da diabetes, não queria obedecer nem ao médico, nem a nutricionista e nem a ele. Essa situação o levou a, por amor a esposa e não querer vê-la em situação pior ou morta antes do tempo, colocar cadeados na geladeira, armário e despensa. Logicamente que essa atitude extrema gerou um acentuado conflito entre ele e ela.

Após o relato dos eventos que o angustiava, pediu para que eu fosse falar com ela.

Disse-lhe:

- Eu posso dizer a ela o que você me falou?

Ele disse que sim, pois todo esse esforço seria válido pelo amor que ele sentia por ela. Combinei então, por estratégia, ir uma hora que ele não estivesse em casa. Quatro dias após, fui fazer a visita prometida.

À porta da residência dessa família, fui recebido por uma senhora de meia-idade (cuidadora) que me recebeu muito bem e me direcionou para uma ampla área coberta (tipo alpendre) que ficava por detrás da casa. Ela já estava lá, esperando-me.

Aproximei-me, a cumprimentei e sentei-me em uma cadeira que foi colocada pela cuidadora, bem próximo a da cadeirante.

Fiz algumas perguntas sobre a vida de uma forma geral, mas já me preparando para entrar no problema dela. Mas nem precisou de muitos arrodeios. Ela se sentia bastante angustiada pela perda da perna. Optei, então, no início, por ouvi-la mais e falar menos.

Ela, angustiada, reclamava de tudo, do médico, da nutricionista e do marido que, segundo ela, queria “matá-la de fome”; da cuidadora que não queria obedecê-la (quando pedia certos alimentos) ... etc.; da alimentação que era dada a ela e que “não tinha sabor”... e, principalmente, por ter perdido a perna.

Em um dado momento, disse-me.

- Padre! Eu queria tanto saber o porquê de todo esse meu sofrimento; todo dia nas minhas orações peço a Deus que, de alguma forma, revele-me!.

Pensei comigo mesmo, “- é agora!” Disse-lhe, então:

- Não perturbe a Deus com esse problema não. Eu sei por que você está assim. Se quiser eu te digo!

Ela disse:

- Fale Padre!

Falei:

- A senhora tem uma doença que milhares de pessoas também tem. A questão não é tê-la, mas controlá-la. Se a pessoa tem e controlar segundo os protocolos dos médicos e nutricionistas, ela vai viver praticamente como uma pessoa que não tem essa doença. Por exemplo – disse – se a senhora estivesse aceitando a medicação prescrita, se alimentando corretamente (comendo somente o que fosse saudável para o seu caso), a senhora dificilmente teria perdido a perna. Em outras palavras a desobediência aos profissionais de saúde e ao seu marido, levou a Senhora a uma cadeira de rodas. E tem mais. Se continuar assim a senhora vai perder a outra perna, ou outro membro, vai cegar, vai entrar em coma e vai morrer antes do tempo.

Percebi que ela ficou bem alterada com as minhas palavras. Mas era esse mesmo meu objetivo. Tinha que falar a verdade, sem rodeios, com um tratamento de choque, para depois trazê-la de volta ao “mundo real”.

Continuei:

- Mas a senhora pode reverter todo esse drama. Certamente que não terá de volta a perna que foi amputada, mas pode evitar perder a outra ou deixar que seu quadro de saúde se agrave.

Ela perguntou:

- Como posso fazer isso, padre?

- Controle sua alimentação. Não coma nada que seja nocivo ao seu quadro de saúde. Determine horários para a alimentação. Quando os alimentos são ingeridos em horário definido, facilita a digestão e, consequentemente, uma melhor absorção dos nutrientes. Não deixe de tomar sua medicação sempre nos horários prescritos pelo médico. Peça ajuda ao seu esposo e a sua cuidadora. Eles são pessoas que lhe ama e querem o seu bem.

Ela agradeceu muito a minha visita e o direcionamento que lhe dei. Prometeu que iria seguir meus conselhos.

Perguntou se eu queria comer algo, eu disse que aceitaria um café, preferencialmente sem açúcar e nada mais. Ela perguntou se eu era também diabético, eu disse que não, mas evitava o máximo possível o açúcar para o meu próprio bem. Ela ficou admirada com isso. Aproveitei para dizer-lhe que quando a gente quer ter saúde, é capaz de fazer muitos sacrifícios, tanto porque, uma pessoa pode ser milionária, mas se não tiver saúde, não é nada.

A cuidadora trouxe o café e, após degustá-lo, despedi-me e retornei a casa paroquial. Dias depois, encontrei-me com o esposo daquela senhora e ele me disse que ela tinha melhorado muito após minha visita.

Esse caso até que não gerou problema, apesar do fato de que eu utilizei um “tratamento de choque”. Mas, cada caso é um caso e deve ser resolvido segundo aquele(a) que estar vivendo o problema.

O fato é que nem todos querem ouvir a verdade, principalmente quando esta estampa o estilo de vida vivido por quem prefere a obscuridade. Isso pode. Inclusive despertar a “fera” que existe dentro de cada ser humano.

Enigmas da vida!!!

[Pe. José Neto de França]

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