POR QUE EU?… CAÇULA

José Malta Fontes Neto

Acontecem momentos que são inexplicáveis e divinos. Com literatura, que sou apaixonado, eles acontecem sempre comigo e, por não serem explicáveis, fazem-me muito bem.

Estive, na manhã da última quarta-feira, 06 de setembro de 2017, no I Sarau Literário da Escola Estadual Professor Mileno Ferreira da Silva e, lá, pude constatar a beleza das produções dos alunos que, com o incentivo dos professores, pesquisaram e apresentaram trabalhos sobre os escritores santanenses e alagoanos.

Mas o motivo dessa crônica está numa reflexão sobre uma obra adquirida na abertura desse evento. O livro CAÇULA de autoria da escritora e professora de Delmiro Gouveia, Alessandra Figueredo, que homenageia seu Papai escrevendo suas histórias contadas em primeira pessoa como se fosse ele.

Ela usou a palavra no evento, fez comentários sobre o seu trabalho e lançou oficialmente o livro. Eu, como degustador de literatura, imediatamente, adquiri um exemplar, claro, autografado. Saí com o gosto de ler imediato.

Como dizem os nossos colegas escritores, “li de um fôlego só”, parando sempre para algumas anotações ou grifos no livro.

As expectativas foram superadas. Fiz um mergulho na leitura e parece que vivi no tempo e espaço na comunidade Lagoinha, onde se passam as histórias narradas pelo Caçula. Posso até responder essa pergunta feita por ele muitas vezes na obra. Porque, se não fosse ele, como poderíamos nos deliciar com esses belos onze contos? Fiquei encantado como a autora consegue trafegar entre o erudito e o popular. O verbo mais que perfeito andando junto com a linguagem informal em plena harmonia.

Permita-me o leitor que eu apresente frases que, na minha infância, eram comum e o Caçula me fez recordar ( não farão nexo pois não vou copiar a obra e, sim, a frase com a expressão).

As histórias são pitorescas. Em ENTERRADOS VIVOS o Caçula diz: […] Juro que dá vontade de dar uns “CROQUES” nele.[…]. Ainda nesse conto […] Era assim que, mesmo com AQUELE TODO BREU”, sabíamos exatamente onde ficava o local.

É fantástico! O conto A MORTE DAS GALINHAS mostra algo que não sabia: a forma de deschocamento de galinhas. É só “MARGUIA” as danadas na água com o cuidado de não afogar.

O Caçula também foi testemunha de um empreendimento lucrativo na comunidade, quando o seu irmão montou um negócio de alugar bicicletas. Pense na esperteza do rapaz!
Os causos continuam e uma passagem alegre mostra uma quase morte, mas antes disso um grande torneio pode constatar certas peculiaridades da vida.

No conto O DIA EM QUE MATARAM BENÉ veja o que aconteceu: […] Tínhamos combinado brincar de “CHIMBRA”[…] Só que na comunidade tinha um campeão dessa modalidade esportiva mas […] Nunca consegui entender como um “CAOLHO” podia ser tão bom naquilo[…]

A expressão TERREIRO aparece no conto dedicado à sua mamãe e à sua arte de costurar, mas esse conto trouxe outra expressão interessante […] Achava fascinante a habilidade que tinha em transformar as “FAZENDAS” em calças […]

Na estória do FOGO CORREDOR […] CRUZ-CREDO, Caçula endoidou, foi?[…] os meninos eram afoitos e queriam descobrir o mistério das bolas de fogo, será que existiram mesmo? Ou […] Que nada, seus TRANQUEIRAS[…]

Não faltou também as expressões típicas dos ribeirinhos do Velho Chico. Falando sobre as ventanias no rio da integração nacional Caçula dá um conselho: […] Em tarde de ventania, o mais seguro era esperar a MARUADA passar […]

Falar em doce, no conto OS DOCES DA DOLIRO uma frase bela “furviou” meus neurônios [...]Era o local de encontro de muita gente. “FURVIAVA” de meninos[…]

No conto ARREPENDIMENTO, capítulo 10, os risos foram fartos já no início da peça literária […] Quando FRANGOTES, no mês de junho.[…] Agora, peço desculpas mas tenho que transcrever um parágrafo inteiro pois é simplesmente primoroso. O Caçula foi a uma festa e teve um episódio com uma garota; sem narrar o episódio mas a condição da menina, vejam só: “Chamávamos-na, Cágado. Toda encolhida raquítica e MALAMANHADA. Os cabelos pareciam tiras de carne seca cozinhada, grudadas na cabeça. Uma “ARMADA!” Vontade de deixá-la ir a pé, tive muita, mas meu coração teve dó da infeliz.” Deu uma carona a essa menina, mas olha o que aconteceu com o cavalo: “Quando aproximou-se da capoeira, deu uma freada que a pobre Cágado cai ESTATELADA na GARRANCHEIRA.” É verdadeiramente um primor de narrativa.

Chegamos ao fim do livro e, no epílogo, a autora fecha com chave de ouro a sua obra. Chegou a vez de relatar o mal de Alzheimer que acometeu o seu pai o “CAÇULA” e, como fez sempre na primeira pessoa, faz gosto ler ele se despedindo dos filhos não compreendendo a real situação. Adormecendo, tranquilo e feliz, indo para o plano espiritual.

Desejo agradecer à Alessandra Figueredo por me permitir fazer essa viagem no tempo, dizendo que: Levei muitos CROQUES e num BREU danado tive bons momentos na cidade de Carneiros, onde brinquei de CHIMBRA, mas não joguei com nenhum CAOLHO; essas brincadeiras foram muitas das vezes no TERREIRO de Seu Nico um dos fundadores daquele município. No meu tempo estudantil, minha farda a FAZENDA era calça volta ao mundo Azul e camisa de linho branco feitas pelas costureiras locais. Nunca tentei descobrir o mistério do FOGO CORREDOR, acho que era um TRANQUEIRA também. Como a cidade era distante do rio nunca presenciei uma MARUADA. Mas, nas brincadeiras, FURVIAVA de meninos até chegarmos à idade de FRANGOTES quando paquerávamos as meninas. Nunca me deparei com uma tipo CÁGADO, mas confesso que já caí ESTATALADO na GARRANCHEIRAS da vida.

Um grande abraço e Viva a Literatura! Caçula me fez um bem danado!

Entenderam Por que ele?

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