ZÉ DE ALMEIDA

José de Melo Carvalho

ZÉ DE ALMEIDA
José de Melo Carvalho

Quando ainda éramos crianças, deixamos, no ano de 1955, o sítio Serra do Gravatá e passamos a residir na Rua Nova, atual Rua Benedito Melo, na casa de propriedade dos nossos pais, em Santana do Ipanema. Na mesma rua, um pouco mais à frente, residiam Seu Zé Maximiliano e sua família, ele coletor aposentado do estado. Tinha ele, ao lado, uma bodega bastante movimentada. Aos fundos de sua casa funcionava uma espécie de salão de festas, tipo desses dos tempos atuais, que, na verdade, nada mais era do que o local de encontro de trovadores, cordelistas, cantadores e violeiros nos finais de semana, sua principal preferência de lazer, depois do futebol.

Não entendíamos o que era, mas os sons das violas chamavam nossa atenção. Com o passar do tempo, passamos a entender que se tratava de cantorias, aboios, versos, rimas e desafios de duplas de poetas, expoentes desse gênero poético típico do nosso Nordeste. Eram, por assim dizer, profissionais repentistas de todas as categorias e grandes amigos do proprietário do salão, promotor dos eventos.
Muitas vezes, o autor destas linhas e juntamente com Arquimedes (Lobão), Edinaldo (Lobinho), Neto (João do Mato), Iran (Peri) João Neto (Capela) Mané Valter, Zé Wilson (Raposo) Arlindo (Cara Véia) e outros moleques íamos assistir de perto à festa dos violeiros. Era uma coisa singular. Não entendíamos direito do assunto, mas achávamos bastante engraçados os gestos, as poses, o balançar de cabeças e os acordes das violas. Não era uma briga, mas um desafio de caboclos poetas conhecedores do ramo.

O tempo passou. Trabalhávamos, então, no Banco do Estado de Alagoas (Produban). Logo veio a ser admitido ali, como funcionário, um vigilante bastante alegre e sorridente. Palavras não lhe faltavam, conversador, esperto e trabalhador. Já tínhamos conhecimento das proezas desse nosso novo colega, com relação à viola, a versos e a repentes, de onde ele tirava alguns trocados para complementar o orçamento da família.

Referimo-nos a José de Almeida Silva, nascido em Venturosa-Pe, em 1945, que chegou a morar no Paraná, em Pernambuco e, finalmente, em Santana do Ipanema, Alagoas. Zé de Almeida, repentista, compositor e poeta conseguiu escrever centenas de livros de cordel, gravar vários discos de vinil e CDs. Fez parcerias com os poetas Vavá Machado, Mané de Laurindo e Paulo Nunes. Continua a participar de diversos festivais no Nordeste, fazendo parte da elite de poetas e repentistas existente no interior do Brasil. Sua escolaridade: somente segundo grau completo.
Se alguém lhe pergunta como aprendeu tudo isso, toda essa façanha, responde: “Com o meu pai, que também era poeta e trovador.”

Faz atualmente grande sucesso no estado de Alagoas e Sertão de Pernambuco, principalmente em Petrolândia, Tacaratu e em Caraibeira, este último distrito pernambucano vizinho de Água Branca, em Alagoas.
Consideramo-nos grandes amigos, desde o tempo do Produban. Em visita a Santana do Ipanema, geralmente nos encontramos para aquele abraço, que nos faz recordar velhos tempos de brincadeiras, farras e muitas diversões. Num desses encontros, fizemos-lhe convite para um desafio, dando-lhe o tema: “Brasil de caboclo de Mãe Preta e Pai João”.

Aceito o convite, marcamos data e local. No dia marcado, com alguns convidados, sentamo-nos a uma mesa no Bar do Gaba (Dema). De imediato, mandamos abrir uma garrafa de cachaça e preparar um prato de cágados (apreciado à época) com limão e pimenta. Depois de uma lapada, afinamos a viola e começamos:

“Zé de Almeida, grande amigo, você pensa que é o tal.
Não conheceu Lourival das serenatas com pistão,
Se tivesse conhecido, aposto que ficava louco,
Neste Brasil de caboclo de Mãe Preta e Pai João,
Neste Brasil de caboclo de Mãe Preta e Pai João.”
“Zé Carvalho diz assim porque não me conhece,
Sou educado e na cidade muitas pessoas dirão
Eu conheci Zé Monteiro que fazia toda prece,
E conheço o Clerisvaldo que nunca ficou mouco
Neste Brasil de caboclo de Mãe Preta e Pai João
Neste Brasil de caboclo de Mãe Preta e Pai João.”


“Zé de Almeida vou acrescentar uma coisa,
Você é muito sabido e na arte de cantador é trovão,
Tocou em todas as paragens até virar uma raposa,
Nem por conta disso nunca na vida pediu um troco,
Neste Brasil de caboclo de Mãe Preta e Pai João,
Neste Brasil de caboclo de Mãe Preta e Pai João.”


“Zé Carvalho você é esperto e soube sempre trabalhar,
Foi gerente de dois Bancos, em Santana, no do estado,
Em Pernambuco e Alagoas no do Brasil, até se aposentar,
Morou em dez cidades fazendo amigos de montão,
Neste Brasil de caboclo de Mãe Preta e Pai João,
Neste Brasil de caboclo de Mãe Preta e Pai João.”

Pelos registros do Dema, proprietário do bar, naquela noite, com exagero e tudo, a farra e a cantoria estenderam-se até o dia amanhecer. Os competidores também cantaram martelo agalopado, aboios e outros desafios, ambos recebendo os devidos aplausos da plateia. No final, os julgadores deram por empatada a grande e a animada “competição”.

Maceió, março de 2015.

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