A nossa crônica de hoje, pronta estava desde domingo, muito embora, neste dia de São José, um fato inusitado, mudaria nossos planos. Sentado à Praça do Monumento, aguardávamos a “Marinete”, mas a condução atrasou. E eis que nos apareceu outra Marinete.
Carece-nos esclarecer a nossos queridos leitores mais novos, que antigamente os ônibus escolares tinham motor dianteiro, eram chamados de Marinete, e são comuns até hoje lá na América. A Marinete sem aspas, a que apareceu no lugar do transporte, trata-se de uma senhora, a quem abordamos, tivemos o prazer de conhecer, e mantivemos interessante colóquio.
Descrevamos inicialmente a protagonista, a que acabaria ganhando este espaço. Não era a primeira vez que víamos Dona Marinete Bernardino dos Santos, catadora de lixo, reciclável. Porém, aquele fora o momento escolhido por Deus, para que conversássemos. Ela passa o dia pelas ruas, catando, lata de alumínio, garrafas pets, plástico, etc. pelas ruas e praças de Santana do Ipanema, ela se vai. Na sua pouca estatura, pele enrugada, curtida de sol. Tudo nela evoca-nos uma daquelas nativas da Colômbia. Chapéu de palha roto, roupas surradas, um cajado á destra, um enorme pedaço de plástico a cobrir-lhe as costas. Super-heroína mambembe, sua luta insana é contra, um dos maiores vilões da humanidade, o lixo.
- Como a senhora se chama?
- Marinete Bernardino dos Santos. (respondeu, visivelmente desconfiada)
- A senhora sempre cata lixo cantando?
- É meu “fio”. E tem gente que me olha com desprezo, diz que eu não devia “tá” fazendo isso. Sabe o que é que eu respondo: É “mió” eu “tá” catando lixo, do que roubando, ou de porta em porta, pedindo um prato de comida, a um e outro!
- Pôxa! Há quem recrimine atividade tão digna! Só um, reconhece de verdade, o valor desse trabalho da senhora Dona Marinete! Sabe quem?
- ?
- Deus.
- Há! Meu “fio”... Certa vez, eu vinha andando sozinha, e ouvi uma voz. A voz me perguntou se eu sabia rezar. Eu disse que um Pai Nosso, e uma Ave Maria eu sabia. E tornou a dizer: eu vou lhe ensinar umas orações, pra você curar pessoas, de qualquer dor pelo corpo, mas tem uma coisa, não aceite dinheiro, como pagamento pelas curas. Quem se sentir recompensado que faça uma caridade. Outro dia, eu ia pra casa, com três sacos que não tinha mais tamanho nas costas. E vi um homem que só fazia assim (fez o gesto de alguém chamando com aceno de um dos braços, o outro levava a mão ao queixo) O homem não conseguia nem falar com uma dor de dente! Ele mesmo encostou minha mão no lugar da dor, e eu comecei a rezar. Daí um pouco meu braço começou a tremer, tremer! E quando terminei o homem “tava” bonzinho. Ele me agradeceu, e disse: agora vou tomar um banho, comer e dormir. Pois “tá” com três dias que não faço nada disso. Eu disse a ele, comer e dormir, o senhor pode. Agora se tomar banho, pode ficar certo, que amanhã eu venho pro seu velório! Ele me obedeceu e até hoje “tá” vivo, bonzinho! Com fé em Deus!
Finalmente minha condução chegou. Despedi-me de Dona Marinete dizendo que sua história render-me-ia esta crônica. Pareceu-nos não ter entendido o que dissemos, mesmo assim esboçou um sorriso. E lá se foi, cantando, catando lixo.
Fabio Campos 20.03.2012 No Blog fabiosoarescampos.com Breve, Conto inédito: Tatuagens na Alma.
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