Inicialmente, em termos do que nos encanta na paisagem cultural nordestina, viola é instrumento musical utilizado em pelejas ou em históricos desafios, inspirador na produção da poesia dos cantadores repentistas espalhados pelo Nordeste afora, detentores da admiração e dos aplausos do público apreciador.
A viola é veículo, como disse, inspirador da beleza da cantoria, dos versos, das composições dos poetas sertanejos.
O cantador é figura popular, poeta repentista, que faz parte da paisagem humana, poética e musical dessa bela aquarela nordestina. Perambula ele pelos sertões afora cantando versos para auditórios diversos, recebendo o aplauso animador e a moeda depositada na especial e salvadora bandeja.
Um dia desses, numa pequena feira de livro no campus da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), caiu-me à mão o livro Pinto do Monteiro – O Bardo do Cariri, em 3ª edição ampliada, EDUEP 2007, de autoria de Iran Medeiros, paraibano da cidade de Pombal, poeta, escritor e pesquisador da cultura popular nordestina.
Segundo o autor do livro, “viola é parte do corpo e da alma do cantador. É o elo entre o repente e o cantador.” Foi utilizada, pela primeira vez no Brasil, segundo o poeta Orlando Tejo, como instrumento de cantoria, já pelos idos de 1840, na cidade de Teixeira, berço natal de cantadores violeiros, situada no ponto culminante da Paraíba, entre a serra do Texeira e São José do Egito, no velho Pajeú.
Na apresentação do livro, em forma de prefácio, o poeta e ensaísta José Edmilson Rodrigues da Silva disse, logo no início: “A força do improviso e a vivacidade de imaginação do poeta/cantador, o repentista nato, no caso, Pinto do Monteiro, que canta o inverno, a seca, a natureza e a possibilidade da fome, do medo.”
O autor do livro foi buscar opiniões e conceitos do poeta, do cantador, do improviso, do repentista, do desafio, do verso, da viola, na visão de outros estudiosos do assunto repentista cantador.
Na opinião, por exemplo, da escritora Maria Alice Amorim, Pinto do Monteiro era poeta no superlativo: “O seu poder de criação e a velocidade de raciocínio às vezes faziam as palavras tropeçarem umas nas outras, não pelo verso quebrado, absolutamente, mas quase engolindo sílabas, dada a ligeireza dos versos despejados em turbilhão.”
Pinto do Monteiro aprendeu a ler e a escrever já adulto, dito isso por essa escritora. Aprimorou conhecimentos sobre história, geografia, história antiga e do Brasil. Há versos dele sobre homens célebres da antiguidade. Sobre gramática, cantou: “Divide-se em quatro partes / é a etimologia / prosódia e sintaxe / a dita ortografia / era desta forma que / Castro Nunes dividia.”
Recorda Ésio Rafael, que conviveu com Pinto do Monteiro na cidade de Sertânia, Pernambuco: “O poeta era um assombro de agilidade e insolência. Malcriado, como sempre, acabava com o violeiro nas primeiras linhas. Num mourão malcriado com Gato Velho, Pinto conseguiu sair-se da seguinte maneira:
Pinto — Eu vou pegar Gato Velho / pra dar no conhecimento.
Gato Velho — Eu vou me montar em Pinto / pra fazer dele jumento.
Pinto — Se essa praga me pega / você vai servir de jega / para o meu divertimento.
Sobre o superdotado repentista Pinto do Monteiro, disse o escritor Mário Hélio: “Ninguém negará o seu extraordinário humor, a verve, a malícia que davam aos seus versos um sabor além do convencional.”
Tudo se confirma na leitura do livro, no qual encontramos opinião de tantos apreciadores dos versos inteligentes, desafiadores, do poeta repentista Pinto do Monteiro, O Bardo do Cariri, ou Severino Lourenço da Silva Pinto, nascido em Monteiro, Paraíba, em 1895 ou 1896, que faleceu com 101 (?) anos de idade.
O autor do livro definiu repentista como sendo antes de tudo poeta de cordel, cantador que improvisa versos nas feiras livres do Nordeste. Cita Guerra Junqueira, que disse: “Que título augusto, que nome ideal para um vivente — o cantador! Este verbo cantar é sagrado. Cantar é divinizar o som.”
Os mais conhecidos gêneros de estrofes dos cantadores de viola são: mourão, quadrão, martelo, ligeira, gabinete, galope, embolada, peleja, desafio, obra de seis pés, etc. Pinto do Monteiro andou por tudo isso, infernizando a vida de inúmeros cantadores, em desafios históricos.
Disse, a propósito, o escritor Inaldo Sampaio: “Era assim o velho Pinto: quanto mais capaz era o seu parceiro, mais ele gostava de enfrentá-lo, pois morreu sem conhecer derrota na difícil arte do improviso.”
Em seu livro “Poetas de Canto a Canto”, escreveu Jader Costa Tenório, pesquisador, poeta, declamador, meu colega aposentado do Banco do Brasil: “Pinto do Monteiro foi, enquanto viveu, o maior e mais respeitado poeta repentista do Brasil.” Desafiado, respondeu a outro grande poeta:
“Ainda lhe vejo cego
Sem ter no bolso um vintém
Pedindo esmola num beco
Onde não passe ninguém
Se passar, seja outro cego
Pedindo esmola também.”
João Furiba, cantando com Pinto do Monteiro, disse-lhe que estava completando 27 anos de idade. Pinto, seu amigo, pegou na deixa e disparou:
“Isso aí não é verdade
Você quer ser inocente
Faz trinta anos que canta
Vinte que bebe aguardente
Dezoito que engana o povo
E quarenta e cinco que mente.”
Pinto do Monteiro, aos 96 anos de idade, antes de morrer escreveu: Por que Deixei de Cantar:
“Perdi da vida o prazer
Estou vivendo sem viver.
Hoje só tenho amargura
Tormento, dor e cansaço
Passando de passo a passo
Por cima da sepultura.”
Foram, afinal, inúmeras as homenagens, em versos, em poemas, os mais iluminados, inteligentes, sentidos, que seus conhecidos cantadores repentistas lhe prestaram após sua morte, a partir do mote a ele dedicado, intitulado Patrimônio Imortal da Poesia.
Maceió, abril de 2025.
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