Anunciado o nascimento da menina, a banda de música no coreto da praça principal de Goiana, Pernambuco, executou garbosamente a valsa Arlene em sua homenagem, que encantou o orgulhoso pai e os amigos que festivamente acorreram ao local para celebrar o auspicioso evento.
Nascia Arlene Miranda iluminada e festejada pelos deuses. Lá, com os virtuosos acordes da valsa com seu nome, acabava de ver a luz pela vez primeira. Cá, no apoteótico desfile de carros alegóricos e na frenética batucada de samba na Pajuçara, no carnaval de 2004, conheceu o samba-enredo em comemoração dos seus 50 anos de jornalismo.
Conheci-a em Santana do Ipanema, em 1966, quando ali foi lançar seu primeiro romance, A Hora Presente, tornando-se pioneira em realizar esse tipo de solenidade cultural em minha terra. Antes, o prefeito Hélio Cabral (1956/60) havia promovido feiras de livros, entre outras atividades culturais na cidade. Depois, lá estiveram, em diferentes épocas, Luiz B. Torres e José Maria de Melo. O primeiro, lançando o livro Procissão dos Miseráveis, o segundo, lançando o romance Os Canoés. Em 1977, em noite memorável, eu também lançava Festas de Santana, meu livro de estréia.
Acabo de ler Retratos de Vida, livro que ela publicou recentemente. Como aprecio memórias, li-o saboreando cada frase e cada história contada. Texto fluente, primoroso e bem-humorado, com o qual a escritora soube contar momentos marcantes de sua vida, desde criança até os dias de hoje. Leitura agradável que leva o leitor a chegar à última página, de uma assentada.
Arlene Miranda já nasceu talentosa e desafiadora. Talvez porque tenha vindo ao mundo na casa onde nasceu Nunes Machado, herói pernambucano da Revolução Praieira de 1848. Desde jovem viveu além do seu tempo, quebrando tabus. Foi a primeira mulher a militar em redação de jornal em Alagoas. Trabalhou na Gazeta de Alagoas, no Jornal do Comércio de Recife e em outros jornais do Rio de Janeiro. Escreveu reportagens e entrevistou gente famosa. Talentosa, estudou, trabalhou, lutou, venceu.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, por exemplo, tinha como missão primeira conhecer pessoalmente Ledo Ivo e levar-lhe o pacote de broas que a ela confiara D. Eurídice, mãe do poeta alagoano. Frustrada, porque, por três vezes, não conseguira ser recebida pelo ilustre membro da Academia Brasileira de Letras, optou por comer as deliciosas broas com uma amiga, no apartamento onde se hospedara.
Nas crônicas do livro, conta fatos de sua infância, das peraltices dos irmãos, da intimidade da família, dos ídolos da adolescência, das fantasias da juventude, da vida romântica e boêmia com seus confrades de redação, amigos, intelectuais, políticos e personalidades da vida musical brasileira. Ao escrever tudo isso, expressa-se com linguagem clara, simples, precisa, que transmite ao leitor, com absoluta fidelidade, o fato narrado, sem estilo arrevesado, sem citações desnecessárias, sem pedantismo literário.
Reencontramo-nos na Academia Maceioense de Letras, como consócios, onde ela é querida e admirada. Nesta criatura meiga, doce, sempre alegre, aparentemente frágil, o leitor encontrará uma mulher experiente, inteligente e culta, que estudou na França e palmilhou os caminhos do mundo para afirmar-se como competente jornalista e consagrada escritora.
Maceió, abril de 2007.
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