Disse o jornalista Aldo Paes Barreto: “Cidade de interior tem que ter seu bêbado de plantão, seu político de enganação e seu doido de estimação.” Acrescentaria que também tem que ter o malandro, o esperto, o boêmio, o intelectual de paletó surrado e sempre com livros debaixo do braço, o mentiroso e o preguiçoso.
O esperto negrinho Dionísio Tarde Fria, engraçado tipo popular de minha cidade, se vivo estivesse, estaria hoje eufórico, proclamando rua afora: “Está aí, gente, minha criação virou moda!”
Diria isso depois de saber que na Câmara dos Deputados havia sido extinto o expediente às segundas-feiras. Aliás, nesse particular, não se trata de nenhuma novidade no Brasil afora. Se alguém se der ao luxo de pesquisar com seriedade, haverá de encontrar gente que trabalha apenas um ou dois dias na semana, ou nem trabalha mesmo, sem que ocorra o devido desconto em folha de pagamento.
Para o genial José Saramago, “uma aldeia tem o exato tamanho do mundo para quem sempre nela viveu”. Vez por outra cito esta sábia frase para dizer que em Santana do Ipanema havia de tudo, sempre em sintonia com o que se passava no mundo, a ponto de se prever a redução do trabalho semanal, ainda que em desacordo com as normas trabalhistas vigentes.
Sapateiro de profissão e garçom em dias de festa, Tarde Fria morava no outro lado do rio Ipanema, no bairro que tem o nome do seu bisavô, Domingos Acácio, herói da Guerra do Paraguai, depois agraciado pela intendência municipal com o poético e honroso cargo de acendedor de lampiões.
Boêmio e bebedor de aguardente de cana, Dionísio apreciava usar terno e sapatos brancos, na melhor versão tupiniquim de malandro carioca do passado. Respeitador, educado, inteligente. Em conversa com amigos, que eram muitos, desmanchava-se em gostosa gargalhada, mostrando a alva dentadura. Magricela e lépido, tinha também ginga de malandro. De porre, costumava cantar a canção Tarde Fria pelas ruas da cidade, de dia ou de noite. Daí o apelido.
Dele recolhi várias histórias, que as contei em crônicas.
Alongando o fim de semana, também não gostava de trabalhar às segundas-feiras, diferentemente dos nobres deputados federais, que nesse dia certamente estarão em suas bases eleitorais ou em trânsito para Brasília. O esperto Dionísio não trabalhava porque estava a curar-se de ressaca de homéricas farras de fim de semana, e aí fechava as portas da oficina às segundas-feiras, dia reservado, segundo ele, para a “folga da companhia”. Católico por tradição familiar, não podendo chamar esse dia de Dia de São Preguiçoso, optou por chamá-lo Dia de São Sapateiro.
Maceió, abril de 2007.
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