Lembrei-me, faz poucos dias, de uma das músicas românticas do cantor Ronnie Von, “A Praça”, sucesso da Jovem Guarda de meados da década de 1960. Dois versos da música dizem: “A mesma praça, o mesmo banco/ as mesmas flores, o mesmo jardim.”
Refletindo bem, a letra dos versos tem significativo sentido de hábitos conservadores da vida brasileira.
Conservador é aquele apegado a atividades e a valores tradicionais, incluindo objetos de uso pessoal, bens de toda a natureza, etc. Exclui-se, dessa reflexão, a referência ao campo político. Nele o empedernido político conservador encampa, escancaradamente, hostilidade a todo tipo de reforma, notadamente às de cunho social. Quaisquer ruídos de reforma soam mal em seus ouvidos.
Até que me considero um conservador, porém bem moderado. Apego-me com o necessário apreço e cuidado as minhas coisas. Costumo frequentar o mesmo restaurante, o mesmo cafezinho, ocupar a mesma mesa e tomar vinho da mesma marca. Também me apego à marca do meu automóvel, ao mesmo posto de gasolina como cliente-fidelidade. E vai por aí.
Minha amiga Leila, advogada, que frequenta a academia fitness que freqüento, também é considerada conservadora. Como acontece comigo, ela tem visível apego ao seu automóvel de muitos anos de uso, sem pretensão de trocá-lo por um novo. Na verdade, o automóvel é bem conservado e muito conhecido do pessoal da academia e dos flanelinhas do cruzamento da rua que dá acesso a sua residência. De bom coração, Dra. Leila gratifica, generosamente, os flanelinhas dali, já considerados seus amigos, dando-lhes trocados e brindes, costumeiramente.
Flanelinhas são, geralmente, jovens desempregados, miseráveis, sem acesso ao mercado de trabalho. Sem perspectiva, povoam os cruzamentos de sinais de trânsito pelo Brasil afora, em busca do pão de cada dia. Após o impeachment da presidente Dilma, ademais, eles estão incluídos nos resultados negativos das estatísticas oficiais, na conta, agora, dos 13 milhões de desempregados. Diga-se, segundo os jornais, que nesse número não estão computados milhares dos que, desiludidos – e tendo à mão seu currículo – desistiram de procurar emprego no mercado brasileiro.
Um dia desses, o automóvel da advogada apresentou casual defeito e não funcionou. Mesmo com a boa vontade de curiosos palpiteiros o carro não andou. O jeito, então, seria levar o automóvel à oficina mais próxima ou chamar o mecânico amigo para o devido conserto. Optou pela segunda providência a cargo do marido, que imediatamente apareceu no local acompanhado do milagroso mecânico.
Resolvido, rapidamente, o problema, Leila juntou-se ao marido para o retorno a sua residência. O mecânico, por sua vez, encarregou-se de dirigir o citado automóvel, saindo logo à frente do casal.
Ao longe, surpreendeu-se o casal com a confusão formada no conhecido cruzamento de rua. Aos gritos, os flanelinhas haviam interceptado, corajosamente, o veículo da advogada. Por não conhecerem o motorista, no caso, o mecânico, alegavam que o veículo estaria sendo roubado.
“Confusão danada”, segundo palavras da própria Dra. Leila.
Necessária a intervenção da advogada para a liberação do veículo, tal a situação de desespero criada pelos seus amigos flanelinhas.
Amigo, afinal, é para isso mesmo!
Maceió, abril de 2019.
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