O MENTIROSO SANTANENSE

Djalma Carvalho

Pena que o Bar do Tonho, de propriedade de Antônio Honorato de Melo, tenha definitivamente fechado suas portas, deixando muitas saudades em sua clientela, em seus fregueses, mas ficou na história de Santana do Ipanema. Sua história foi contada no meu livro Festas de Santana, edição de 1977.
O Bar do Tonho ou “Café Atraente” existiu no centro da cidade até meados da década de 1980, por aí, local bastante frequentado por gente da elite santanense, intelectuais e pessoas amigas. Local de agradável encontro interiorano, para o delicioso cafezinho ou para beber cerveja gelada. Assuntos do Brasil e do mundo eram tratados no bar, especialmente assunto de futebol.
Não sei o ano da fundação do Bar do Tonho. Desconfio que tenha sido 1952 ou 1953. Os clientes, em clima de euforia, acompanharam os jogos da Copa do Mundo de Futebol de 1954, pelo rádio Philips do bar. Recordo-me da transmissão do jogo Brasil x Iugoslávia, realizado num sábado, 19 de junho. Em frente, da filial das “Casas Nepomuceno”, onde eu trabalhava como balconista, ouvia-se o barulho dos torcedores. Como desejei estar ali também!
Num dia destes, assisti ao vídeo de uma das Aulas-Espetáculo de Ariano Suassuna. Dizia o genial escritor paraibano que em Auto da Compadecida ele mais se identificava com o personagem Chicó, por ser mentiroso.
Cidade de interior tem o mentiroso que merece. Santana do Ipanema, por exemplo, não poderia ser uma exceção à regra.
Certa ocasião, em chegando ao Bar do Tonho, lá encontrei um montão de gente às gargalhadas. Tudo resultado de histórias engraçadas contadas por alguém que havia chegado ao bar fazia algum tempo.
Era Lulu Felix que contava suas histórias mentirosas.
Muito conhecido na cidade, Lulu Felix tinha a mania de mentir. Sabia mentir com arte, com graça, envolvendo e divertindo a clientela do bar. Mentia sem maldade, sem prejudicar ninguém.
Na verdade, esta categoria de viventes faz parte da paisagem humana do interior do Brasil afora. Duvido que em cidade do interior não tenha um mentiroso de plantão, poeta, conversador, contador de história e seresteiro. Para completar esse naipe, o jornalista pernambucano, Aldo Paes Barreto, disse: “Cidade de interior tem que ter seu bêbado de plantão, seu político de enganação e seu doido de estimação.” Claro que, nessas afirmações, há as honrosas exceções.
Havia, em Santana do Ipanema, um descarado mentiroso que dizia que, ao abastecer seu automóvel com a puríssima gasolina de avião, seu carro bem acelerado de vez em quando dava umas “voadas” de meia légua sem tocar no chão.
A propósito dessa mentira, leio no Jornal do Dia, Ano 4, nº 1382, de 1º/9/2020 (WatsApp), a seguinte notícia: “Carro voador faz vôo de quatro minutos em teste no Japão.” Se vivo fosse, Lulu Felix estaria gozando do assíduo grupo do Bar do Tonho.
Moreno, baixo, rosto fino, cabeça chata, olhos pequenos, sempre de paletó sem gravata, Lulu Felix usava chapéu, religiosamente.
Morava em Maniçoba, lugar situado quase no perímetro urbano de Santana do Ipanema, onde possuía uma pequena propriedade, na qual criava poucas cabeças de gado. Parece-me que também curtia couro.
Contava que seu cachorro – grande, bonito e de raça especial – era uma fera de valente. Ninguém dele se aproximava, a não ser gente de casa. Guarda fiel da sua residência. O coronel Lucena fizera tudo para adquiri-lo. Perguntaram-lhe:
– Por que não o vendeu?
– Porque me roubaram o danado...
Dizia que em sua vida, quase toda passada em lugares diferentes, havia exercido múltiplas atividades, de soldado de polícia a vendedor ambulante. Informava, pausadamente, o tempo que passara em cada cidade. Não percebia, porém, que alguém anotava alguma coisa. Ao final, o próprio dono do bar havia somado 105 anos, quando, na verdade, a idade de Lulu Felix era de apenas 42 anos.
Em São Paulo tinha visto uma parelha de garrote, vinda da Argentina. Cada garrote pesava cerca de 400 arrobas.
Alguém confirmou a mentira:
– Pois é verdade. O Circo Americano tinha sua coberta feita do couro desses garrotes...
E assim por diante. Mentia com a maior simplicidade, para não se dizer cara de pau. Terminada a série de histórias e diante de ares de incrédulos, arrematava:
- É... Vocês não viajam. Vi tudo isso com estes olhos que a terra há de comer!
Lulu Felix gostava muito de viajar, principalmente a São Paulo, onde residiam parentes seus. De lá trazia novidades, motivo de sua conversa, de suas histórias, que o pessoal do bar, irreverente e maldoso, dizia tratar-se de mentiras.

Maceió, julho de 2020.

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