Vez por outra, devemos dar breve repassada em episódios de nossa História, para reflexão ou interpretação, comparando-os com a atualidade bem presente no noticiário nacional que nos chega diariamente.
O rei D. João III, que reinou no período de 1521 a 1557, tendo em vista dificuldades financeiras de Portugal, resolveu criar no Brasil o regime de capitanias hereditárias, sistema de colonização já em uso nas ilhas da Madeira, Açores, Cabo Verde e São Tomé.
O sistema foi implantado no Brasil entre 1534 e 1536. Inicialmente, 14 capitanias destinadas a 12 donatários. Por essa época, respeitava-se o acordo de 1494, entre Portugal e Espanha, chamado de Meridiano de Tordesilhas, traçado em linha reta no território brasileiro, que ia de Belém, no Pará, a Laguna, no Rio Grande do Sul.
Com a morte de D. João III, assumiu o trono D. Sebastião I, que resolveu em 1572 dividir a colônia em dois governos. Um deles ficaria com sede na Bahia, entregue a D. Luís de Brito. Outro, com sede no Rio de Janeiro, tendo à frente D. Antônio Salema.
Resolveu, então, D. Luís de Brito promover expedições ao interior da Bahia para aprisionar índios e caçar ouro e outras pedras preciosas. Esse governador criou sérios incidentes em sua administração, tanto que D. Sebastião I resolveu extinguir o sistema de dois governos, retornando o Brasil ao sistema anterior, nomeando, em 1578, Lourenço da Veiga governador-geral com sede no Rio de Janeiro.
A partir de 1574 e pelo século seguinte (século XVII), surgiram as entradas e bandeiras. Começavam, assim, a intensa cobiça e as aventuras em busca de ouro no interior brasileiro. As entradas obedeciam aos limites da linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas, diferentemente das bandeiras, que, embora de iniciativa particular, contribuíram para a expansão dos limites do Brasil, indo além do meridiano das Tordesilhas.
As entradas e bandeiras tinham como finalidade a caça ao índio para escravizá-lo e vendê-lo no litoral, e também a procura de ouro. As entradas eram organizadas pelo governo. As bandeiras eram organizadas e financiadas por particulares, em busca do enriquecimento. A Coroa, por sua vez, era igualmente interessada nessas riquezas, para arrecadar impostos. A entrada de Antônio Dias Adorno (1574), feita ao interior baiano, por exemplo, à procura de riqueza, retornou com sete mil índios escravizados. As bandeiras, eventualmente contratadas pelo governo, combatiam agrupamentos de negros, como o que se formou em Alagoas, o Quilombo dos Palmares.
Com a morte de D. Sebastião I na Batalha de Alcácer-Quibir, em Marrocos, em 1578, que não deixou herdeiros, Filipe II da Espanha reivindica o trono de Portugal na condição de neto de D. Manoel I (1495-1521).
A dominação espanhola durou 60 anos, de 1580 a 1640, extinguindo-se com a revolução restauradora que elevou ao trono D. João IV, duque de Bragança. Nesse período, chamado de “união peninsular”, os soberanos Filipe II (I de Portugal), Filipe III e Filipe IV (parte do seu reinado) governaram Espanha e Portugal.
Segundo o historiador A. Souto Maior, em História do Brasil (Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1977), “Filipe II, inteligentemente, mantivera toda a máquina administrativa de Portugal e das colônias, sem nada mudar. Nos 60 anos vão ser expulsos os franceses, as bandeiras vão cortar o sertão, e a expansão do gado vai fixar o homem em terras antes dominadas pelos índios”.
O colono português tentou em vão transformar o índio em escravo. Desejava empregar sua mão de obra no cultivo da cana de açúcar e nos trabalhos dos engenhos. O índio foi guia de bandeirantes nos sertões, caçador, guerreiro, menos escravo. O colono, então, passa a procurar o negro para escravizá-lo, submetendo a raça negra a inomináveis sofrimentos no Brasil por mais de três séculos.
A escravidão no Brasil surgiu com a criação das capitanias hereditárias, intensificando-se com a cultura da cana de açúcar, instalação de engenhos no Nordeste e cafezais no interior do Rio de Janeiro e São Paulo.
Disse A. Souto Maior: “Os portugueses já usavam negros como escravos, antes da colonização do Brasil, na Ilha da Madeira, Açores e Cabo Verde.” Na própria África, o negro já era escravo dos sobas, vencedores de guerras entre tribos.
Os negros – homens, mulheres e crianças – foram trazidos da África, como escravos, para trabalhos forçados no Brasil, sem qualquer remuneração. Navios negreiros encheram-se de negros jogados aos porões fétidos, confinados como animais, humilhados. Eram separados por sexo. Os homens eram acorrentados. As mulheres sofriam violência sexual de parte da tripulação. Muitos dos negros não suportaram os maus-tratos e morreram durante a travessia do Atlântico. Os corpos eram jogados ao mar profundo.
Os quilombos remontam a 1580, formados por escravos fugidos dos engenhos de açúcar da Capitania de Pernambuco. O Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, em União dos Palmares, foi formado por Ganga Zumba ao arregimentar negros fugidos, “criaturas miseráveis que fugiam ao jugo da escravidão”, como acentuou o historiador João Ribeiro. Demonstravam ser organização social, política e militar, tendo Zumbi como líder do seu povo e símbolo de luta. O quilombo incomodava senhores de engenho, coronéis fazendeiros da região e o governador da capitania.
O bandeirante Domingos Jorge Velho era conhecido como violento caçador de índios e negros fugitivos. Contratado e pago a alto preço pelo governador da Capitania de Pernambuco, esse bandeirante liderou as tropas que destruíram o Quilombo dos Palmares.
A história, afinal, não esquecerá a figura desse mercenário criminoso, que, em sinistra emboscada, assassinou Zumbi, líder da luta libertária do negro escravizado no Brasil, levando, para a macabra exposição em praça pública no Recife, a mão cortada e a cabeça decepada de Zumbi.
A data da morte de Zumbi – 20 de novembro de 1695 – é comemorada no Brasil como Dia Nacional da Consciência Negra.
Maceió, outubro de 2020.
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