LER, RELER E PANDEMIA

Djalma Carvalho

A pandemia do coronavírus surgiu lá na China no final do ano passado (2019) e rapidamente se espalhou pelo planeta Terra, infectando milhões de humanos e ceifando vidas de forma avassaladora. Sentiu-se a presença da crueldade letal desse vírus no Brasil a partir de fevereiro passado (2020), com os óbitos que se foram multiplicando pelos estados afora.
Apavorados, logo fomos obrigados a usar máscara e a permanecer em casa, confinados. O isolamento social e o distanciamento entre viventes foram recomendações das autoridades sanitárias do país. Da mesma forma, o uso em abundância de álcool 70 e gel higienizante nas mãos. Tudo isso para que se pudesse evitar a perigosa infecção do vírus, doença traiçoeira conhecida como Covid-19. Remédios específicos foram recomendados e logo estocados em casa, preventivamente.
Então, cuidados e muitos cuidados, mas no Brasil populoso e continental o número de infectados (em 15/11/2020) chegaria ao infernal placar de 5.848.959 e ao registro de 165.658 óbitos, infelizmente. Talvez, com o surgimento de vacina, o mundo inteiro possa, mais tarde, ter sossego e respirar mais aliviado.
Que Deus seja louvado!
Há um ditado popular que diz: “Não há mal que não traga um bem.”
Em meio às expectativas do avanço da pandemia no mundo e acelerado no Brasil, recolhi-me, preventivamente, em casa, com saídas estritamente necessárias, para farmácia, padaria e mercado. Mesmo assim, terrivelmente às pressas, como se estivesse correndo do satanás.
Nesse período – de fevereiro a outubro – tempo houve que eu pudesse revisar e atualizar e digitar o texto original do livro Festas de Santana (1977). Empreitada, diga-se de passagem, fatigante, trabalhosa, destinada à 2ª edição, da qual resultou novo projeto, com melhor feição gráfica, com 310 páginas.
Deu-se esse trabalho, sem bravata, entre a produção de cerca de 50 novas crônicas – para o 14º livro a ser editado e publicado – e a proveitosa leitura de um total de 17 livros.
Lembrei-me, daí, do saudoso escritor Dr. José Maria de Melo (1908-1984), ex-presidente da Academia Alagoana de Letras e autor do livro Dentro do Meu Mundo (Sergasa, Maceió, 1984, pp. 137/138), que disse: “Sim, há uma idade para ler e outra para reler. Em cada página relida, encontro uma imensidade de coisas novas, belezas surpreendentes, verdades antes não percebidas. É como se estivesse lendo um livro diferente.”
Pois bem. No período citado, também reli dois livros: O Circo, de autoria do circense Antolim Garcia (1904-1987), e Fruta de Palma (crônicas nordestinas), de autoria do santanense Oscar Silva (1915-1991), patrono da Cadeira nº 27 que honrosamente ocupo na Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes.
Fruta de Palma, como se sabe, trata de costumes santanenses das décadas de 1920, 1930 e 1940. A crônica “Quanto Pode um Borreguinho” refere-se a crenças, crendices e mitos dos santanenses dessa época. Antônio Borreguinho, da crônica, era homem pequenino, baixo, estranho médium que entrou na história do espiritismo de Santana do Ipanema no final da década de 1920. Arrastava muita gente para sua casa. Tomado de espíritos, dava coices, pancadas, sopapos. Cinco ou seis homens não o seguravam.
Já disse algumas vezes que sou arredio a essas coisas misteriosas, sobrenaturais, místicas, respeitando, entretanto, aqueles que as praticam ou lhes dão crédito. Sobre este assunto, hei de concordar com o que disse o genial escritor moçambicano Mia Couto, no conto “Inundação”, do livro O Fio das Missangas, diante de casos misteriosos: “Acredito, sim, por educação. Mas não creio.”
Num circo que apareceu em Santana do Ipanema no início da década de 1960, por aí, o mágico anunciou o número da vassoura diabólica, utensílio doméstico incapaz de ser dominado por quatro ou cinco homens de força, especialmente escolhidos da cidade.
À noite, apresentaram-se os candidatos, musculosos, levados ao picadeiro, prontos que estavam para segurar a vassoura diabólica. Mão a mão foram segurando o cabo da vassoura. Expectativa do público. Depois do repicar da bateria do conjunto musical, o silêncio. A seguir, a ordem do mágico: “Se-gu-rar!” Os homens foram pra lá, pra cá, pra lá. Lutaram. Foram até ao início do picadeiro, retornaram ao centro, enrolados, e nada. Não conseguiram, afinal, dominar a vassoura diabólica.
Mesmo depois da morte de Caçador, santanense que trabalhava no circo e que fizera parte do grupo de homens que tentaram segurar a vassoura diabólica, ainda persiste a suspeita de que teria sido ele o tapeador, contratado para desequilibrar a força dos demais candidatos.

Maceió, novembro de 2020.

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