Dando continuidade a comentários sobre importantes capítulos do livro intitulado 1808, de autoria do jornalista e emérito pesquisador Laurentino Gomes, vejamos, agora, um pouco do que a densa obra histórica relata sobre a ímpar e polêmica figura de Carlota Joaquina, a rainha esposa de D. João VI, imperador do Brasil e de Portugal, assunto tratado nas páginas 161 a 168.
Diga-se, preliminarmente, que a rainha detestava o Brasil. Resistira, desesperadamente, a viajar com a corte em novembro de 1807, mesmo ante a iminente invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão Bonaparte.
Filha de reis da Espanha, Carlota Joaquina (1775-1830) tinha apenas dez anos de idade quando se casou com D. João (1767-1826). Ele tinha dezessete anos. Casaram-se em 1875 por procuração, como naquele tempo era costume entre as potências da Europa, para que fossem evitados conflitos e guerras, sobretudo na Península Ibérica. Ainda menina, ficou sob os cuidados de D. Maria I, sua sogra, a brincar nos jardins do Palácio de Queluz. Como eram menores impúberes, somente dividiram a cama dos aposentos palacianos após ela completar quinze anos.
Como registro histórico pitoresco, “a indomável princesa”, com apenas dois meses de casada, numa festa em palácio, mordeu a orelha de D. João e atirou-lhe na testa um castiçal.
Disse o autor, a seu respeito: “Magra, de estatura baixa e cabelos escuros, tinha a pele morena, marcada por cicatrizes da varíola contraída quando criança. Tinha ficado coxa devido a uma queda de cavalo na infância. Cavalgava como poucos homens. Autoritária, falante, briguenta e vingativa”, exigia que as pessoas a homenageassem, quando andava a cavalo pelas ruas do Rio de Janeiro. Homens deveriam ajoelhar-se, tirando o chapéu, ameaçados de chicotadas pelos seus guardas. Com esse procedimento, que se dizia protocolar, criou sérios problemas com autoridades diplomáticas estrangeiras, contornados por D. João VI.
Como a corte era cara, perdulária e voraz, segundo palavras do autor, curioso é que entre fidalgos e dignitários régios, um padre recebia salário fixo anual de 250.000 réis, hoje equivalente a R$14.000,00, somente para confessar a rainha.
Do casamento com D. João nasceram nove filhos, entre os quais Pedro (1798-1834), futuro Pedro I, imperador do Brasil e Pedro IV, rei de Portugal.
Carlota Joaquim tinha sede pelo poder, tendo participado de inúmeras conspirações e tentativas de golpes, duas das quais contra o marido. Fracassaram todas. Depois da primeira conspiração, em 1805, D. João resolveu viver separado dela. Ele morreu em 1826, com a suspeita dos historiadores de que, “em meio a acessos de náuseas e vômitos”, tenha sido envenenado pela mulher. Esses mesmos historiadores suspeitavam, igualmente, da infidelidade conjugal da rainha, uma vez que D. João VI teria dito que não tinha grande certeza da paternidade dos últimos filhos. Boatos no Rio de Janeiro davam conta de que a rainha teria mandado assassinar esposas de seus amantes. Além disso, teria tido relacionamento amoroso com o comandante da esquadra britânica no Rio de Janeiro.
Concluindo o especial capítulo, disse o autor, referindo-se a Carlota Joaquina: “Ao embarcar de volta para Portugal, em 1821, tirou as sandálias e bateu contra um dos canhões da amurada do navio.” Segundo os historiadores Oliveira Lima e Marcus Cheke, ela teria dito, arrogantemente: “Tirei o último grão de poeira do Brasil dos meus pés. Afinal, vou para a terra de gente.”
Carlota Joaquina foi embora para nunca mais voltar ao Brasil. Nos últimos tempos, segundo a descrição do historiador Alberto Pimentel: “Era um farrapo de gente. Andava malvestida, suja, com um casaco de chita e um turbante de musseline na cabeça.” Viúva, longe do poder e afundada em dívidas, faleceu em 1830, aos 54 anos de idade.
Maceió, novembro de 2014.
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