DICIONÁRIO, AMIGO SILENCIOSO

Djalma Carvalho

Silencioso, calado, sem voz, sem expressão verbal, taciturno. Devemos exaltar, com justiça, a existência do dicionário e reconhecê-lo como amigo de verdade; confidente e importante amigo para demorada conversa em particular, sem nenhum preconceito, sem cerimônia.
Com a mania que tenho de escrever e de ler, a ele, o dicionário, recorro com bastante frequência, para consultas, para indispensáveis consultas. Para conversa entre amigos.
Silencioso, calado, posto ali, de lado, sem reclamação – até que poderia fazer e não faz – acostumou-se à falta de cuidado e zelo no seu manuseio, no seu abrir e fechar, quando consultado.
Volumoso, pesado, imponente, sábio, indispensável. Deve ser considerado o livro mais importante de uma biblioteca.
Santo Dicionário da Língua Portuguesa!
Pai dos burros, nada! Amigo de verdade!
Costumo guardar, embora desleixadamente, recortes de jornal ou de revista, que neles contenha importante ou especial matéria literária. Agora, por exemplo, com o papel já amarelado, datado de 27/3/2004, encontro recorte do suplemento literário “Arena de Ideias” de O Jornal, noticioso alagoano há algum tempo extinto. Releio, então, o longo e primoroso artigo de Cecília Meireles, intitulado “O Livro da Solidão”.
Vez por outra, em minhas crônicas, cito versos da saudosa Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964), poetisa, escritora, jornalista, conferencista. No mencionado artigo, ela se refere a dicionário, de forma extraordinária. Vejamos o que disse: “O Dicionário responde a todas as curiosidades, e tem caminhos para todas as filosofias. Vemos as famílias de palavras, longas, acomodadas na sua semelhança – e de repente os vizinhos tão diversos! Nem sempre elegantes, nem sempre decentes – mas obedecendo à lei das letras, cabalística como a dos números. O Dicionário explica a alma dos vocábulos: sua hereditariedade e as suas mutações.”
Tenho comigo, a meu lado, dois dicionários. O de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, nosso alagoano, e o de Antônio Houaiss. Em eventual dúvida, consulto os dois. E pronto. Como complemento, disponho de exemplares de gramáticas de renomados autores, a exemplo de Cândido de Oliveira, Celso Cunha, Eduardo Carlos Pereira, Napoleão Mendes de Almeida, e outros mais.
Disse, a propósito, o escritor Gilberto Amado (2ª página do dicionário de Aurélio, 5ª edição): “Escrevo com o dicionário. Sem o dicionário não posso escrever – como escritor.” Também, Ledo Ivo, escritor e poeta alagoano, a ele se referiu, tratando-o de ”O Bem-Amado”.
Ao citar o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, ilustre alagoano de Passo de Camaragibe, disse Rachel de Queiroz, em seu livro de memórias Tantos Anos (Editora José Olympio, 4ª edição, 2010, página 207): “Antes, em Alagoas, ele já tinha nome literário. Mas no Rio teve que se fazer aos poucos como professor de português. Era nosso ‘corregedor’, severo e solícito. Zé Lins do Rego e eu, por exemplo, jamais publicamos um romance, nessa época, sem chamarmos Aurélio para fazer a leitura dele, em dia ou noite especial. Lia em voz alta, corrigindo as nossas mais excessivas liberdades com a língua. Tínhamos às vezes brigas enormes.”
Também, nós – pobres filhos de Deus – costumamos recorrer ao “Livro da Solidão”, como assim o denominou Cecília Meireles, em dúvidas na produção dos nossos textos. Temos, Igualmente, revisores antes da publicação dos nossos livros, como faziam os citados romancistas, clássicos da literatura brasileira.
Pois é. Também revelamos nossos pecados. Por que não?

Maceió, junho de 2020.

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