Encontro em meu livrinho de anotações diversas o que disse o poeta, compositor, escritor, jornalista, dramaturgo e diplomata Vinícius de Morais (1913-1980), sobre crônica, ao comparar o jornal a um organismo humano: “Se o editorial é o cérebro, os tópicos e notícias, as artérias e veias; as reportagens, os pulmões; o artigo de fundo, o fígado; as seções, o aparelho digestivo; e a crônica, o seu coração.”
Ensinou-me Saramago que sem ler ninguém escreve.
Por isso que, vez por outra, deliciando-me, volto a ler e reler crônicas dos livros de Teotônio Brandão Vilela (1917-1983), grande cronista brasileiro, senão o maior, publicadas na Gazeta de Alagoas durante muito tempo. Textos bem formulados, fluentes, bem pensados, de longos e ritmados períodos, de beleza literária impressionante, de prosa poética que logo sobressai à vista do leitor.
Em seu livro A Civilização do Zebu e a Civilização do Basset, às páginas 67/68, há belos trechos da crônica que o Menestrel das Alagoas escreveu com arte poética, lirismo encantador, sobre a Lua:
“Lua cheia, cheia de sugestões e de lembranças. Essa lua de carmim nas faces é a lua de Riacho Doce, nascida do mar de mil cores, criada à sombra dos velhos coqueirais, dona das praias noturnas e de todas as brisas, filha de deuses sem ódio, jovem lua que se fez mulher.”
Noutro passo:
“Quem não é poeta não tem nada que se meter com a lua.”
Com a leitura, parece-me que estou a escutar sua fala pausada e empostada durante suas entrevistas e discursos. Filósofo. Pensador emérito. Grande orador político.
Aliás, não seria diferente por tratar-se de filho de Viçosa das Alagoas, terra de gloriosas tradições, de gente inteligente, de muitos intelectuais, romancistas, historiadores, folcloristas, trovadores, poetas e boêmios. Viçosa é cidade de Dom Avelar, Cardeal Primaz do Brasil, irmão de Teotônio Vilela. Também, cidade de José Maria de Melo, Denis Portela de Melo, Otávio Brandão, Théo Brandão, José Aloísio Vilela, José Pimentel e Zé do Cavaquinho, e de tantos outros ilustres filhos da cidade “Berço da Cultura Alagoana”.
Fincada nos vales verdes e úmidos da Mata alagoana e banhada pelas murmurantes águas do Paraíba de históricas enchentes, a cidade de Viçosa, onde viveu Graciliano Ramos. é também conhecida como “Atenas de Alagoas”.
A História do Brasil registra que em Viçosa, na Serra Dois Irmãos, tombou sem vida, emboscado e assassinado, o guerreiro Zumbi dos Palmares, no final do século XVII.
Como legado literário, Teotônio Vilela deixou dois excelentes livros de crônicas: A Civilização do Zebu e a Civilização do Basset (1974), já citado, e Andanças pela Crônica (ano 2000, em 2ª edição). Também, como orador e pensador político, o livro de discursos proferidos no Senado durante seus dois mandatos, intitulado Presença do Nordeste (1974).
Ao discursar no Senado, fazia-o com a arte de mestre da palavra, atentamente ouvido por seus pares, ao desfraldar a bandeira da redemocratização do Brasil, por conta da abertura política, lenta e gradual, proposta pelo senador Petrônio Portela. A partir de 1975, então, largou-se a peregrinar pelo país inteiro, pregando liberdade, lutando por eleições diretas e pela volta à normalização democrática do país. Era a distensão política permitida. A ditadura militar agonizava, enquanto aguardava a legislação proclamadora da anistia geral e irrestrita concedida a seus opositores.
Por essa época, em Maceió, fui ver no palanque Teotônio Vilela e o senador gaúcho Paulo Brossard, bons oradores, em comício realizado na Praça do Pirulito. Lembro-me do que disse o senador alagoano, como frase de efeito: “Ando doente, mas ainda posso puxar a casaca de um ladrão!”
Faleceu em 27 de novembro de 1983.
Maceió, abril de 2021.
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