Minha curiosidade torna-se aguçada quando me deparo com a criatividade de proprietários de botecos, bares e restaurantes que sugerem a chefes nutricionistas nomes engraçados e pitorescos para o cardápio de seus estabelecimentos.
Estive em recente final de semana em Caruaru, em compromisso social nessa próspera cidade do agreste pernambucano. Disseram-me lá, em conversa de restaurante, que em cardápio de um deles, como entrada entre petiscos e outras iguarias, havia o delicioso Caldinho de Quenga, que logo me despertou curiosidade. Imediatamente anotado o nome, disse de mim para mim que o caldinho valeria assunto para crônica.
Dito e feito.
De boa-fé de minha parte como cliente, nada demais, porque eu havia visto no comércio de Maceió a Cerveja Cabaré, que dela dizem os bebedores tratar-se de bebida saborosa e de boa qualidade. Cabaré significa casa de diversão, de espetáculos, de música, dança e variedades. Mas, no interior nordestino, significa bordel, zona.
Como costumo anotar nomes dessa categoria e criatividade, restou-me levar o nome do caldinho ao meu livrinho de anotações, juntando-o ao do Bar Brisa do Inferno, Restaurante João do Lixo, Bar do Pelado, Bar do Ladrão, Bar do Bode, Bar da Perua, Bar Buraco da Zefa, Bar da Maria Furadinha, entre outros. Nomes de motéis também criativos, por exemplo, possuo alguns deles anotados.
Quando publiquei o livro Festas de Santana em 1977, logo depois recebi do Dr. Aguinaldo Nepomuceno Marques (1920-2014), de saudosa memória, ele então residente em Niterói (RJ), longa carta com importantes e históricos comentários sobre algumas crônicas do livro. O livro Festas de Santana foi minha primeira aventura literária, há pouco publicado em 2ª edição, revisado e atualizado.
Pois bem. Comentou o ilustre escritor e historiador santanense ao ler à página 101 do livro: “Não posso concordar com o adjetivo famigerado na referência à Rua do Fogo.” Mas, ponderando, e referindo-se à sua mocidade, acrescentou: “Afinal de contas não devemos nos esquecer de que a nós em particular ela (a rua) foi extremamente útil.”
Em minha comentada crônica, escrevi: “Embora já tivesse outro nome, a ruazinha continuou sendo assim chamada pelos moradores do lugar. Outrora fora odiada e repudiada pelas ciumentas matronas santanenses, até com certa razão, convenhamos. Pelas namoradas, também. Preconceituosas, então.”
Rua do Fogo, por exemplo, era nome popular dado a uma pequena rua da cidade de Santana do Ipanema de longínquo passado. Pouco distante do centro da cidade, lá funcionava o bordel de Artur Morais. Há muito tempo extinto o bordel e com a morte do seu proprietário, um largo foi criado nas cercanias do antigo bordel, que recebeu o nome de Largo Artur Morais. Se Dr. Aguinaldo estivesse vivo, certamente diria que a homenagem fora justa pelos “serviços” prestados belo bordel à iniciação sexual de jovens santanenses de sua época.
Voltando ao assunto inicial, dir-se-ia que “a maldade dessa gente é uma arte”, como no samba de Ataulfo Alves e Claudionor José da Cruz.
Vejo no Dicionário de Termos Nordestinos, de autoria do paraibano Gilberto Albuquerque, o vocábulo “quenga”. Gíria ou não, ele tem como sinônimos, prostituta, meretriz, puta, rapariga, catraia, biscateira, égua, e vai por aí.
O Caldinho de Quenga, nome pitoresco e criativo, como eu disse, se maldosamente entendido e à vista dos sinônimos citados, poderia sugerir duplo sentido.
Acontece, porém, que o nutricionista criou marca chamativa para o restaurante, sabendo que quenga ou quengo é “vasilha feita de metade do endocarpo (casca dura, seca) de um coco”, segundo mestre Aurélio. O caldinho é feito de “guisado de galinha, com quiabos”, nele incluídos adequados temperos baianos.
Afinal, tudo esclarecido, não há pecado a comentar.
Maceió, março de 2022.
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