VERDADE QUE PREFERIA TER SIDO MENTIRA

Pe. José Neto de França

Primeiro de abril, data em que muitos aproveitam para inventar, criar notícias, situações que não passam de caraminholas travestidas de verdades no sentido de gozar dos amigos. Pelo menos é o que mais vemos todos os anos nessa data, popularmente chamada de “Dia da Mentira”.

Pessoalmente, nunca fui adepto desse tipo de modismo. Imitar certas atitudes não faz parte do meu “modus operandi”.

Mas, há dois anos, aconteceu um fato que me fez desejar imensamente que fosse apenas uma peça daquelas que se prega nesse dia.

Foi no início da tarde de terça feira, 1 de abril de 2020. Estava me preparando para descansar, pois tinha acabado de almoçar, quando recebi um telefonema do pai de um dos melhores amigos que já tive nessa vida temporal: Rodolfo Soares Araújo. Ele, seu pai, pedia para que eu rezasse por Rodolfo, que estava internado e entubado na UTI do HGE, em Maceió.

Ele havia completado 24 anos no dia 1 de janeiro desse mesmo ano (2020). Eu o acompanhava e o orientava desde sua pré-adolescência, quando o chamei para ser ajudante do altar, época que fui pároco de São Cristóvão de Santana do Ipanema.

De uma inteligência fabulosa e um senso crítico excepcional, não poderia ter escolhido outro curso senão o de Medicina. Estava no último ano. De vez em quando conversávamos muito, tanto por telefone, como por mensagens de Whatzapp, Facebook e Instagram. Às vezes nossas conversas duravam até altas horas da noite. Tanto quanto eu, Rodolfo amava profundamente a área da saúde. Recordo-me da alegria que ele sentiu quando soube que eu estava cursando Nutrição na UNINASSAL. Ele chegou a dizer que queria que eu fosse o nutricionista dele. E eu, dizia que ele seria, com certeza o meu médico.

O choque foi tamanho que, imediatamente, após o telefonema, fui a Santana do Ipanema, onde seu pai estava, para conversarmos pessoalmente.

Chegando a Santana, encontrei-me com Francisco, o pai de Rodolfo. Ele estava muito agitado. Disse-me que ele Rodolfo esteve em um plantão num hospital, na véspera (31/03); chegado em casa, após o banho, jantou, conversou até tarde com sua mãe, Amparo, inclusive fazendo planos e demonstrando muita felicidade, pois no dia seguinte (01/04) faria outro plantão com um médico que era um dos melhores dos amigos dele. Ele foi dormir um pouco mais das 22h. Porém, ao amanhecer, sua mãe, Amparo o encontrou numa situação de pré-coma, em seus aposentos. Chamou o SAMU que o levou ao HGE, onde foi-lhe prestado socorro.

Entre tensão e lágrimas, mais uma vez, pediu orações pelo seu filho e pela sua família.

Após uns quarenta minutos de conversa, agradeci por ter se comunicado comigo, e disse-lhe que me mantivesse informado.

Passados uns vinte minutos, recebi outra ligação de Francisco. Agora para me avisar que Rodolfo tinha falecido. Meu grande amigo entrou em óbito às 15h.

Como desejei ardentemente que tudo aquilo fosse um sonho, uma “mentira”, das que muitos contam nesse “Dia da Mentira!”

Meu sentimento foi o de um pai que “perde” o seu filho. Temporalmente, Rodolfo passou, e em exatos três meses, após ter completado 24 anos.

Permaneci o resto da tarde, em Santana do Ipanema. Depois, arrasado retornei a Major Izidoro.

Na manhã do dia seguinte, 02 de abril, fui até à OSACRE de Santana do Ipanema, onde seu corpo estava sendo velado.

Chegando, conversei longamente com seus pais: Francisco e Amparo. Eles estavam dilacerados com o óbito de seu filho. Sua mãe me falou dos últimos dias de seu filho, inclusive, confirmando que ele, Rodolfo, tinha comentado com ela sobre o cafezinho que ele queria tomar comigo. Aliás, ele estava querendo encontrar-se comigo há um certo tempo, para uma conversa, mas nunca dava certo. Quando ele podia eu não estava disponível em função dos trabalhos pastorais, quando eu podia, ele estava ocupado com sua vida acadêmica.

Quando Amparo falou sobre o “cafezinho”, passou pela minha memória nossa última conversa que aconteceu, pelo Whatzapp, exatamente nos dias 07 e 08 de março desse mesmo ano (2020),. Foi assim:

Era 22h29, do dia 07/03, disse-lhe:
- Boa noite, meu amigo...
Às 23h12, ele respondeu:
- Boa noite, padre. Como o senhor está?
Às 23h21, respondi:
- Na luta. E você?
No dia 08/03, às 00h03, em referência a minha resposta, “na luta”, Rodolfo respondeu:
- O famoso #euquelute
Depois, às 00h04, disse-me:
- Estou preparando meu espírito para descansar por algumas horas porque amanhã tenho plantão das 7 horas. Ainda bem que Deus tudo vê e pode. Quando o senhor vem a Maceió?
Como acabei cochilando e dormindo, devido a hora, respondi somente às 06h20:
- Sábado, para aula na UNINASSAU...
Às 14h29, ele perguntou:
- Tem tempo livre para tomarmos um café?

Nem precisei responder. Pela nossa maneira de conversar, ele sabia que eu indo à aula no sábado seguinte, com certeza telefonaria para ele e marcávamos esse encontro.

Porém, por causa da pandemia do “coronavírus” que estava assolando o mundo inteiro e, claro, o Brasil, o governo estadual baixou um decreto, obrigando as escolas a cancelarem as aulas presenciais. Soube depois, pelo seu pai que, mesmo que eu tivesse ido, não teria sido possível ter me encontrado com ele, pois teve plantão.

Infelizmente, esse cafezinho foi adiado, para “tomarmos”, um dia, na eternidade...

Na conversa com sua mãe, fiquei sabendo que Rodolfo, dias antes, tinha comentado com ela que eu não estava mais chamando-o de “filho”, mas somente de amigo. Expliquei-lhe que essa mudança faz parte da pedagogia que utilizo para fazer com que aqueles que acompanho, no final da adolescência e início da juventude, amadureçam. Mas, interiormente, nunca deixo de considerá-los filhos. Amparo, sensata como sempre foi, compreendeu meu posicionamento.

Eram, aproximadamente, 10h40 quando me dirigi até a esquife, onde estava a “veste da alma” de Rodolfo – seu corpo – e fiz uma oração silenciosa pela alma desse meu grande “amigo”. Depois, conversei por mais alguns minutos com seus pais e, em seguida, retirei-me.

Meses depois, lancei meu sétimo livro intitulado “Uma amizade que se prolonga para a eternidade”, onde abordo a nossa amizade, inclusive com textos transcritos do Whatzapp e Instagram. Claro, com autorização de sua família.

Hoje, exatos dois anos após seu óbito, enquanto olhava umas fotos que recebi de seu pai, Francisco, pelo Whatzapp, acompanhadas da frase: “DIA DA SAUDADE”, fiquei a pensar que quando alguém parte antes de nós, na verdade, nós é que morremos para eles e não eles para nós. Já que eles estão em tudo que nos recorda de sua passagem pela nossa vida, principalmente através do amor que existiu entre nós e eles, a ponto deste, o amor, se tornar o liame que nos mantem unidos por toda eternidade.

Enigmas da vida!!!

Comentários