Estava devendo esta crônica à minha cidade natal, fazia algum tempo. Aconteceu que, sem querer e embalado com tantas relembranças, havia cochilado, com o livro aberto nas mãos, sentado à sombra de um daqueles umbuzeiros do sítio Gravatá de minha infância, para onde me transportara, em sonho, durante a deliciosa leitura dos casos e loas nele contidos.
No meu tempo de criança e de adolescente, minha cidade era meu mundo, sem saber, então, que o russo Leon Tolstoi, autor de Infância e Guerra e Paz, havia dito o seguinte: “Fale de sua aldeia e estará falando do mundo.” O consagrado escritor português e Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago, também disse coisa parecida: “Uma aldeia tem o exato tamanho do mundo para quem nela vive.”
Quando me refiro a Santana do Ipanema, lembro-me, saudoso, dessas frases ditas por dois monstros sagrados da literatura universal, que muito traduzem o sentimento de se viver cercado de amigos de infância numa pequena cidade interiorana, onde todos se conhecem, se admiram e se respeitam.
Conheci José Malta Fontes Neto menino ainda a andar pelas ruas da cidade, acompanhado de seu avô brincalhão. Hoje, homem feito, o Malta, como é ali conhecido e querido, tornou-se bem-sucedido empreendedor. Criou o portal Maltanet para divulgar coisas e gente de Santana do Ipanema, espécie de jornal virtual, muito apreciado pelos que acessam seu endereço na Internet, especialmente os que ali não mais residem. Recheou-o de notícias, fotos, colunas para cronistas, jornalistas, poetas e escritores. O mural de recados, por exemplo, está sempre congestionado com a turbulência da troca de mensagens feita por santanenses distantes. Espaço aberto, e nele afoitos nativos puderam contar histórias engraçadas, escrever poesias, contos, casos e loas, motes que serviram para revelar talentosos escritores da terra. O que se viu daí foi uma verdadeira enxurrada de páginas e páginas de boas matérias, que, se deletadas, se perderiam no tempo e nada ficaria nos registros históricos da cidade.
Reunida toda a produção literária de cerca de trinta autores, num volume de 235 páginas, chega-me às mãos, agora, À Sombra do Umbuzeiro, livro organizado pelo citado portal e publicado há alguns meses. À ONG Novo Amanhã, da cidade, que cuida de crianças e de jovens carentes, foram cedidos os direitos autorais do livro.
Interessante a coletânea, apesar da trabalheira e das naturais dificuldades de primeira edição. Nela o leitor encontrará histórias para todos os gostos e ainda narrativas de fatos pitorescos em que, na mocidade, se envolveram os autores ou deles foram testemunhas oculares. De forma espontânea e despojada, eles acabam, com certeza, por contar a história da própria cidade, a partir da década de sessenta, especialmente.
Mundo feliz aquele de cidade interiorana sem violência, onde traquinices eram praticadas sem maldade, sem a intenção do ridículo, do desrespeito. Tudo, afinal, debitado ao fulgor de sua alegre e irreverente mocidade.
Prepare-se o leitor para dar boas gargalhadas ou chorar de saudade de um tempo muito bom, de muito sonho e fantasia, que não voltará jamais.
Maceió, janeiro de 2007.
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