Repetidas vezes, o próprio personagem contou esta história no antigo Bar do Tonho, em Santana do Ipanema, e eu aproveitei seu enfoque pitoresco para reproduzi-la no livro Festas de Santana, em 1977. Agora, motivo novo me faz relembrá-la.
Encontrei em meus arquivos, há pouco, o recorte do trabalho jornalístico, assinado pela repórter Láyra Santa Rosa, intitulado BR-316, no Sertão, a estrada sem fim, que O Jornal publicou em sua edição de 27/01/2008. Refere-se a repórter ao trecho de 48 km de estrada de barro, poeirenta, esburacada e abandonada, que vai do entroncamento Carié à divisa de Alagoas com Pernambuco, passando por Canapi. E acrescenta ela: “Poucos são os carros de pequeno porte que se arriscam cruzar a rodovia. Alguns moradores denunciam que a região é muito visada por comerciantes de mercadorias ilegais. Os traficantes de drogas também usam a BR como rota para o transporte de entorpecentes. Tem servido também a assaltantes fortemente armados que entram em Alagoas sem ser abordados por policiais.”
Quando o Presidente da República aqui esteve recentemente, nossos nobres políticos esqueceram de lhe dizer, em meio às manifestações de boas-vindas, que esse pedaço de estrada, maldito e esquecido, nunca foi asfaltado. O descalabro desafia por muito tempo o prestígio dos alagoanos que exercem liderança naquela região.
Entre 1957 e 1961, por algumas vezes transitei por aquela estrada. Ainda não havia asfalto na rodovia-tangente que vai de Petrolândia a Arcoverde, passando por Ibimirim, em Pernambuco. Ali, ao lado do entroncamento, existia o conhecido Hotel do Peba (bar e hospedaria), onde, horas a fio, passageiros aguardavam transporte para completar o retorno a Alagoas.
O conterrâneo Zé Panta, o personagem desta história, era sujeito inteligente, espirituoso, cheio de gracejo e gozador da humanidade. Tocava violão e era seresteiro de verdade. Faz alguns anos, foi para o túmulo como motorista aposentado do DNER. Herdara a virtuosa qualidade de músico do pai, Manuel Panta, tocador de pratos da banda que abrilhantou a solenidade comemorativa do Centenário da Independência, em 1922, em Santana do Ipanema. Tão compenetrado estava ele com o compasso naquela histórica apresentação, que os pratos destruíram sua larga gravata, reduzindo-a a um toquinho, pertinho do nó.
Certa feita, Zé Panta retornava de uma das visitas que costumava fazer à sua noiva em Ibimirim ou Tacaratu, Pernambuco. Vestido de linho branco e segurando o inseparável violão, pacientemente aguardava transporte à porta do Hotel do Peba. Levantava o braço, pedia carona, mas os motoristas não paravam o veículo, cobrindo-o de poeira.
Mais um caminhão, mais outro, e nada. Até que em fim uma alma boa parou para atendê-lo. Mas aí aconteceu o incômodo: Zé Panta esquecera o violão numa mesa do hotel. Ao retornar com o instrumento, eis a recusa do motorista: “Se soubesse que o senhor era violeiro, não teria parado. Veja bem: mesmo pagando em dobro, aqui não carrego rapariga, soldado de polícia e violeiro! Entendeu?”
Zé Panta entendeu a implicância do motorista com essa boa gente, e continuou aguardando novo transporte...
Maceió, junho de 2010.
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