A "VIZINHA" QUE ERA MISS

Djalma Carvalho

Djalma de Melo Carvalho
Membro efetivo da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes.

Crônicas que já publiquei em jornais e em livros lembraram figuras folclóricas, engraçadas, fora de série, exóticas, algumas até desmioladas, que em diferentes épocas habitaram Santana do Ipanema. Figuras de estranhas manias ou defeituosos comportamentos, cujas venturas e desventuras impregnadas estavam no imaginário popular. Com as crônicas, então, ganharam corpo, letra de forma, e passaram à história da cidade.
Por alguns anos, frequentei a praia de Paripueira, litoral norte de Alagoas, considerada um dos recantos mais lindos do Brasil. O mar foi generoso com aquele pedaço de litoral. Fez uma pequena reentrância e ali deixou águas mansas e mornas para o alagoano banhar-se e bem assim o turista. Fortes ondas quebram-se nos arrecifes, muito longe da costa, chegando mansamente à praia. O estado de Alagoas, por suas paradisíacas praias, pode orgulhar-se de ter sido privilegiado pela natureza.
Em Paripueira, nas décadas de 1960 e 1970, conheci a popular Ambrosina, velhota, baixinha e desmiolada, ali conhecida e tratada por “Vizinha”. Ainda que atormentada pelos moleques de rua, a coitada religiosamente aparecia, à tarde, na banca de peixe para pedir a um e a outro um quilo de pescado. Com o peixe da pior qualidade recolhido (gato, mariquita, cangulo), retornava, resmungando, para a casa da sobrinha, com quem morava.
Noutras oportunidades, visitava moradores, pedindo-lhes contribuições para a uma imaginária novena de Santa Rita, festa desconhecida de todos do lugar. Ante quaisquer negativas, tornava-se aborrecida, agressiva.
Certo dia de carnaval, veranistas enfeitaram-na. Puseram-lhe pó de arroz na cara, avermelharam-lhe os grossos lábios, deram-lhe óculos escuros, pulseiras, brincos, colares, bolsas, sapatos, roupa extravagante e faixa com letras douradas: “Miss Paripueira”.
Pronto. A partir daí Ambrosina endoideceu de vez, sentindo-se famosa. Assim enfeitada, passou a “desfilar” pelas ruas da cidade, principalmente aos domingos, feriados e dias de festa. Ensaiados por algum gaiato, aprendeu os passos “do gato”, “do soldado”, “do mocotó”, pedindo dinheiro à “distinta plateia” por cada “apresentação”. Sua imagem serviu até para peça publicitária de campanha eleitoral.
Moleques atormentavam-lhe o pouco juízo, perseguindo-a impiedosamente. Apanhava pedra, pedaço de tijolo ou de pau e largava-se atrás desses malfeitores. Virava-se no diabo, quando os meninos gritavam: “Sabiaaaá!, macaca a óleo!”
Dediquei-lhe a crônica intitulada “A ‘vizinha’ agora é miss”, publicada no Jornal de Alagoas, em 19 de março de 1974. O jornalista e pesquisador Edberto Ticianeli escreveu, recentemente, a história de Miss Paripueira em duas páginas do Jornal Extra, edição de 8 a 14 de janeiro de 2016. Outros jornalistas, como Joaldo Cavalcante (Última Palavra) e Francisco Ribeiro (Graciliano On-Line), fizeram o mesmo.
Em 1998, Ambrosina Maria da Conceição faleceu, mas seu nome ficou na História de Alagoas como Miss Paripueira.

Maceió, maio de 2016.

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