Esta semana tive duas experiências, não com cães, mas com os donos de cães sobre a vida de cada um, com seus caninos. A primeira, ao ler a crônica escrita por Luís Antônio Capiá, denominada “Fofinho e Fofoca – Memórias da Rua C”. A segunda, a boa conversa que tive em minha casa, com a amiga Selma, dona de uma especial cadela, de longa data de criação, de ensinamento ou adestramento.
Melhor dizendo: três experiências. A terceira, coincidentemente com o texto do conto “O Dono do Cão do Homem”, que encontrei com a leitura do livro O Fio das Missangas (Editora Schwarcz, São Paulo, 2012), às páginas 103/106, de autoria de Mia Couto, genial e festejado escritor moçambicano, radicado em Portugal. Texto primoroso, engraçado e recheado de trocadilhos e neologismos.
Dir-se-á, inicialmente, que meus pais nunca criaram cães e gatos. O não gostar de caninos e felinos foi passado para os filhos, naturalmente, sem quaisquer recomendações ou exigências. Dos meus irmãos, parece-me que somente o mais novo, Ademir, cria cão, gato e papagaio. Quando ainda jovem, criei pombos e passarinhos lá no Sítio Gravatá. Tempos depois, na cidade, criei somente canários – “da terra” e “belgas”. Encantava-me, afinal, com o repetido trinar dos “belgas”, do amanhecer ao anoitecer, alegrando a casa, as varandas e a vizinhança.
Disse-me a amiga Selma que, ao longo da vivência em família, sua querida cadela aprendeu a atender a comandos expressos em palavra única, sem frase, como “calar”, “levantar”, “comer”, “sair”, “passear”, “chegar”, “abraçar”, “beijar”, e muitos outros. À vista, por exemplo, da saída de Selma de casa para o trabalho ou a passeio, a cadela demonstra tristeza; ao retornar, desmancha-se ela em alegria, com a cauda a pendular repetidamente.
Ao ler o citado conto, logo imaginei o querido Capiá segurando a trela do seu cão de estimação pelas ruas do agitado e elegante bairro de Boa Viagem, no Recife. Entendi o desejo dos seus filhos, com anuência da esposa, para adquirirem o animal e criá-lo com todo carinho, sem perceberem o trabalho que o cão lhes poderia causar de futuro, encargo, hoje, serenamente repassado ao aposentado Capiá.
O bicho cão do contista Mia Couto tinha nome de gente: Bonifácio, de raça pura, com linha ancestral à semelhança de descendência genealógica de família de reis e rainhas. Bicho com certificado de origem, de hereditariedade. “Retriever, filho de retriever, neto de bisneto. “
Disse o autor: “Aos fins de semana, eu o levava a passear. E houve vezes que, para não dar inconveniências, eu me rebaixei a ponto de recolher o fedorento cocô. Depois de toda esta mordomia, as pessoas atentavam apenas nele: ‘Belo exemplar, lindo bicho’ – diziam.”
Reclamava o autor das pessoas que somente notavam a presença do dono do cão “por acidente e acréscimo”. Atenção somente era direcionada para o cão. Pior: ainda lhe perguntavam: “Morde?”, “está vacinado?”
Rua afora, diante de tanta indagação, havia, afinal, entre o dono e próprio Bonifácio do conto, a dúvida: quem mordia; quem estava vacinado?...
Maceió, outubro de 2020.
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