O fanatismo político é, entre tantos fanatismos, mais uma admiração desmedida, cega e irrefletida por algo, no caso, por um político, um partido e/ou uma ideologia política. Está presente em todos os ramos da política moderna, bem como esteve em todas as épocas do processo civilizatório.
Temos, portanto, fanáticos de esquerda, direita, centro, e de todas as combinações possíveis. O que caracteriza um fanático político é a sua tendência a crer, veementemente e peremptoriamente, sob uma religião política, que as suas visões, considerações, conhecimentos, realidades, constatações, aspirações, perspectivas, conceitos, posições, atos, discursos e práticas, as suas verdades subjetivas sobre um político, um partido, uma ideologia são uma verdade incontestável e universal, devendo, por isso, ter que ser aceita por todos da sociedade e até mesmo do mundo.
Neste sentido, de algum modo, é como se fossem postos a priori limites ao pensamento crítico, à História, às ciências, à razão. É como se se criasse uma redoma protetora em torno de tal crença onde a crítica e a realidade fatual não pudessem alcançar tal objeto, como se fossem inimigas (até letais!) de tal crença.
O fanatismo político está associado às massas emotivas e mantém inter-relações fortes com líderes carismáticos e populistas. A História humana está repleta de exemplos de líderes que se assumiram como deuses ou enviados por deuses ou que afirmavam deter poderes especiais, mágicos, divinos ou que clamaram ter recebido uma certa procuração metafísica para representar divindades, por exemplo. Tudo isso com a conivência e a legitimidade de um séquito acrítico, desesperançado, emotivo, que parecia e parece ter necessidade de alguma divindade para ser feliz ou alcançar algum tipo de perdão, alívio, catarse ou salvação.
Diversas vezes, esse séquito (que pode ter mesmo a dimensão vasta de um povo em quase totalidade!) submeteu-se ( e ainda se submete) a arbitrariedades, perdas de liberdades, à servidão, e mesmo à escravidão, em nome de alguma autoridade, ou por tradição (isto é, a aceitação estúpida de que uma família aristocrática poderosa detém o direito hereditário de governar um povo como se fosse a matriz autoritária desse povo) ou por medo de castigo divino ou pela ameaça constante da força e da violência estatal.
Os níveis dessas inter-relações variam em grau de legitimidade e de submissão, de acordo com a crença fixada, isto é, se pela tradição não divina, se por questões de poder divino outorgado pelo próprio povo, ou por manifestações divinas reclamadas pela própria autoridade ou ainda impostas pela força e pela violência. Ou um misto disso tudo. Ou variantes distintas. Da crença de que seres humanos são deuses ou filhos de deuses (vide relatos bíblicos), de que reis foram reis por ordem divina (relatos bíblicos, de civilizações antigas como persas, romanos, egípcios, ou mesmo em eras mais avançadas como na Inglaterra e na França, etc), sempre, ao que parece, o ser humano quis, em nome da divindade ou pondo-se como uma, ser detentor de um poder sobre os demais, detentor de um poder para determinar como os outros devem não apenas se comportar, mas de um direito sobre a vida e a morte das pessoas, muitas vezes, prometendo uma redenção, uma salvação, uma recompensa, na Terra ou além dela.
Na contemporaneidade, ainda assistimos a esse espetáculo fanático político-partidário em que pessoas das mais diversas classes sociais e dos mais diversos graus de instrução defendem os seus políticos e partidos como se isso fosse uma questão de fé, sendo assim incapazes de tecer críticas, de reconhecer erros, de ver até mesmo crimes cometidos por eles ou relativizar tais atos em comparação com adversários, como se reafirmassem a máxima: “furta, mas faz!”. Nesta perspectiva, mergulhamos num báratro de hipocrisias e de autoritarismos que se pretendem legítimos e naturais. O fanatismo político não quer pouco porque nunca quis pouco. Desde muito, quer o totalitarismo do pensar único, do agir conforme ordens postas de cima para baixo, isto é, quer impor uma moral moralizadora, como uma fé fundamentalista.
No Brasil, o momento atual é preocupante. Boa parte da população crê cegamente em messias e salvadores da pátria. Muitas pessoas elegeram os seus inimigos políticos - a depender da preferência autoritária política - (como o comunismo, a esquerda, Lula, a cor vermelha, a classe média, os ricos, os ateus, os LGBTs, as políticas identitárias, os negros, os pobres, os favelados, os miseráveis, os vulneráveis, os evangélicos, etc.) para reafirmarem as suas vontades de poder, umas conscientemente outras inconscientemente até.
Não importando que tais salvadores sejam autoritários ou mesmo farsantes. Algumas dessas pessoas, dominadas por ideologias político-partidárias, acham que todos (ou quase todos) os que apoiaram e apoiam o atual Chefe de Estado são de direita e sempre foram de direita. Isso é patético! Muitos que o apoiaram e apoiam vieram da esquerda também! E isso evidencia um certo horror: a semente do fascínio por autoritários e demagogos, independentemente da sigla partidária ou de ideologias políticas. O fanatismo político e a necessidade religiosa por salvadores da pátria, por líderes carismáticos, populistas vêm travestidos de objetivos e clamores moralizadores e patrióticos, enraizados no cerne da própria construção social do indivíduo. Por isso, há ditaduras de direita e de esquerda, por exemplo. E essa balança tem um peso a mais: a Wille zur Macht.
É ingenuidade pensar que os partidários de esquerda que mudaram de lado fizeram isso apenas como uma forma de protesto anticorrupção, um certo descontentamento com as esquerdas e o status quo. Essa é a visão superficial do fenômeno. Há algo mais monstruoso e podre por trás. Este pequeno ensaio não tentará desvendar quais são os fenômenos ocultos nem sequer tem pretensão de esgotar o assunto. Basta também lembrar, como um exemplo isolado, claro!, que, no dia em que Hitler tornou-se chanceler alemão, socialistas e liberais alemães, que eram adversários violentos e intoleráveis uns para com os outros, muitos deles, fizeram, nas ruas de Berlim, a primeira saudação hitlerista.
Adriano Nunes
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