Após a morte de sete pessoas, Alagoas vai sacrificar quase mil cães com calazar

Saúde

Por Jobison Barros | Portal Gazetaweb.com

Técnicos de saúde colhem material de cachorro no interior do estado

Doença lenta, aparentemente silenciosa e letal. Todos os olhares das equipes da Secretaria de estado da Saúde (Sesau) e de outros órgãos ligados à área se voltam para ela, que já vitimou 71 pessoas de janeiro a outubro deste ano, em Alagoas, resultando em sete óbitos. Além disso, mais de 900 cães serão sacrificados, por serem os principais responsáveis pela hospedagem do parasita. Trata-se da chamada leishmaniose visceral, também conhecida como calazar, doença tropical que se encontra em situação epidêmica no Estado.

Segundo informações da infectologista Mardjane Nunes, superintendente de Vigilância em Saúde, a leishmaniose demora meses para se manifestar, o que revela riscos para o animal e o ser humano. A especialista esclarece que tal enfermidade sempre existiu, apresentando curvas crescentes, por alguns períodos, mas nunca se manteve tão presente na vida da população alagoana.

Em 2010, houve uma leve subida da incidência de casos da doença, mantendo-se constante até 2017, quando as ocorrências voltaram a crescer, inclusive, resultando em óbitos. Os motivos que provocaram esse quadro epidêmico ainda são desconhecidos, até mesmo por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Fiocruz, em Pernambuco.

"As causas desse aumento ainda não sabemos. Através de parceria com esses centros de pesquisa, enviamos material para analisar a genética do parasita, se sofreu modificações, ou se a doença tem relação com outros vírus, além do culex, o mosquito transmissor da enfermidade. Tudo será investigado por sérios e competentes especialistas no caso", explicou a infectologista, assinalando, na oportunidade, que a situação de epidemia é diferente de uma quadro de surto, visto que este reflete uma "explosão de casos em várias pessoas, em uma mesma localidade e de forma rápida".

Técnicos analisam amostras para detecção da doença em Alagoas


Questionada sobre o número de casos no estado, a coordenadora apresentou um informe técnico da Superintendência de Vigilância em Saúde (Suvisa), que divulga informações extraídas do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), cujos dados são alimentados pelos municípios e serviços de saúde.

Pelos critérios de estratificação definidos pelo Ministério da Saúde (MS), o estado apresenta 38 municípios enquadrados em área de transmissão de Leishmaniose, sendo um deles de transmissão moderada (Estrela de Alagoas) e um intensa (Palmeira dos Índios). Outros 35 municípios estão classificados como de transmissão esporádica e os 65 restantes não registraram casos de Leishmaniose Visceral entre 2015 e 2017.

De janeiro deste ano até o dia 08 de outubro, foram notificados no Sinan 108 casos em moradores de 31 municípios, dos quais, 71 foram confirmados, havendo sete óbitos: dois em Coité do Nóia, um em Estrela de Alagoas, outro em Santana do Ipanema, um em Pão de Açúcar, um caso em Arapiraca e outro no município de Carneiros.

Ainda que no Sinan estejam registrados apenas sete óbitos por Leishmaniose em 2018, em virtude da definição por parte da Superintendência de Vigilância em Saúde de que os casos suspeitos da doença submetidos à internação hospitalar devem ser acompanhados pelo CIEVS estadual, foi possível, conforme pontua a superintendente, a captação de outros nove óbitos (em Maceió, 1; Traipu, 1; Girau do Ponciano, 1; Estrela de Alagoas, 2; Arapiraca, 3) "potencialmente vinculados com a doença, o que elevaria a 16 o número de mortes no período avaliado".

Observando o mapa disponibilizado no informe técnico, percebe-se que a maior parte dos casos confirmados concentra-se no interior de Alagoas, enquanto poucos casos incidem no Litoral alagoano, bem como na região metropolitana, mais precisamente, nos municípios de Coruripe, Marechal Deodoro, Coqueiro Seco, Santa Luzia do Norte, Maceió e Paripueira.

"A região do interior é mais propícia devido à vulnerabilidade da população, pois reside em área de mata e com animais soltos. Na região metropolitana, não é diferente, uma vez que os casos incidem em localidades próximas a áreas de mata, de plantação", salienta Mardjane.

Mapa mostra incidência de casos de leishmaniose visceral em Alagoas (Foto: Divulgação SESAU)


MORTE DE CÃES

Como o cachorro é uma das principais fontes de infecção para a população, técnicos fizeram testes nos animais e enviaram 3.243 amostras ao Laboratório Central de Alagoas (Lacen), confirmando que 909 cães foram infectados, contraindo o parasita. Desta forma, todos eles serão sacrificados.

"É lamentável falarmos isso, mas é a realidade e temos que, diante deste quadro epidêmico, priorizar o ser humano. Inúmeras famílias sofrem, porque os cães são tratados como verdadeiros integrantes da casa. É um triste cenário", reforça a coordenadora.

PREVENÇÃO

Desde o final de 2017, a Sesau passou a promover a reestruturação da área técnica do programa de vigilância e controle das Leishmanioses, a partir da elaboração e divulgação de fluxos de assistência hospitalar e de ações de vigilância entre profissionais, estabelecimentos hospitalares e secretarias municipais de saúde, e tem envidado esforços, principalmente junto aos municípios onde houve registro de casos, a fim de sensibilizar as equipes locais e os profissionais, em diversos aspectos, em especial sobre a agilidade no diagnóstico e início do tratamento.

Quanto às ações desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), foram repassadas orientações sobre procedimentos e atividades que os municípios deveriam adotar, a fim de que fossem implementados os serviços de vigilância local, visando à redução do número de casos e a não ocorrência de óbitos.

"Após as capacitações, ficou a cargo dos municípios a continuidade das ações de investigação e de busca ativa de cães infectados, bem como a eutanásia destes. Porém, a maioria dos municípios não tem dado prosseguimento às ações, alegando dificuldades estruturais, como veículos, indisponibilidade de medicamentos para a eutanásia, canil para confinamento dos animais, e de pessoal para a realização dos trabalhos", relata a superintendente.

"Como os municípios não tinham condições de adquirir as armadilhas para o mosquito Cúlex, disponibilizamos os instrumentos, cabendo à gestão local arcar apenas com a compra das baterias. No entanto, poucas cidades têm dado continuidade aos trabalhos", frisa a infectologista.

Diretora-médica do Hélvio Auto explica acerca dos sintomas (Foto: Jobison Barros)

HÉLVIO AUTO

A diretora-médica do Hélvio Auto, Luciana Pacheco, conversou com a Gazetaweb, revelando a preocupação com a grande incidência de casos deleishmaniose. Segundo ela, a doença sempre foi uma realidade presente no estado, mas que, agora, tem se manifestado de maneira expressiva.

Conforme ressaltou, a pessoa que contrai a doença tende a apresentar fraqueza, perda de peso, febre constante, anemia, sangramentos e aumento do fígado e baço. "Temos o caso de um paciente que deu entrada no hospital, este mês, mas que começou a desenvolver os sintomas em abril. Teve que ficar interno e ser submetido aos procedimentos hospitalares cabíveis, quais sejam, exame de sangue seguido de um teste rápido e uma pulsão no osso. O estado de saúde dele é grave, mas estável".

Ainda de acordo com a diretora, de janeiro a setembro de 2017, a unidade de saúde atendeu 31 pacientes com a doença, sendo 14 crianças e 17 adultos. Já no mesmo período, em 2018, 67 pessoas deram entrada no hospital, sendo 37 crianças e 30 adultos.

OUTRAS DOENÇAS

A superintendente de Vigilância em Saúde, Mardjane Nunes, ainda destacou que outras doenças tropicais merecem atenção em Alagoas, apesar de não se encontrarem em situação epidêmica, mas endêmica, ou seja, em um nível constante. São elas: tuberculose, dengue, zika, chikungunya, leishmaniose cutânea, esquistossomose e doença de chagas.

Segundo a infectologista, essas são consideradas doenças tropicais por serem favorecidas pelo próprio clima do estado e, consequentemente, o surgimento de mosquitos vetores. Conforme pontuou, nem todas as doenças tropicais são de transmissão vetorial, mas a maioria é.

"Em 2014, 2015 e 2016, houve surto de dengue, zika e chikungunya. Em 2017 e neste ano, houve uma baixa dos números. Não é inesperado que, no próximo ano, tenhamos um novo surto, devido ao próprio descuido da população e à atenção das autoridades de saúde a outras doenças. Periodicamente, portanto, elas vêm com mais força, de forma epidêmica", assinalou.

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