Foliões dos anos 60 relatam que produto era usado para perfumar os salões de festas e as roupas das pessoas no Carnaval
Febre no Carnaval de Maceió nos anos 60, o lança-perfume marcou uma geração de foliões antes de ser proibido pelo seu uso como alucinógeno.
Reza a lenda que a ideia dos fabricantes seria fazer com que as pessoas borrifassem o líquido uma nas outras durante eventos festivos para deixar as roupas e o ambiente com um cheiro de perfume.
Talvez muitos pais e avós lembrem-se do lança-perfume como uma espécie de líquido perfumado que era comercializado em frascos metálicos e utilizado pelos foliões no Carnaval para ser borrifado nas outras pessoas ? algo mais ou menos parecido com o que se faz hoje com as espumas de Carnaval, comercializadas em latas pressurizadas.
Como sua composição faz com que o lança-perfume se evapore rapidamente, ele gerava uma sensação de ?congelamento? na pele, deixando no ar um cheiro de perfume.
Os foliões da época em que o produto se popularizou em Maceió lembram que homens e mulheres usavam o lança-perfume para paquerar, jogando o líquido perfumado uns nos outros.
Mas, quando algumas pessoas resolveram exagerar na ?dose? dando o conhecido ?porre?, e acabavam perdendo os sentidos no meio da folia, veio a proibição da comercialização do lança-perfume.
?Eu lembro quando eu tinha oito a 10 anos que minha mãe me levava para os carnavais e a gente ia fantasiado, com a lança perfume na mão. A gente brincava de guerra com os amigos para jogar no olho que ardia bastante?, relata o secretário de Cultura da cidade de Marechal Deodoro, Carlito Lima, de 75 anos.
Carlito Lima: ?Nos carnavais, a gente ia fantasiado com o lança-perfume na mão? (Foto: Adailson Calheiros)
?Quando a gente foi crescendo colocava nas costas das meninas para paquerar e na adolescência começamos a cheirar e era normal. Tinha até uma música de Carnaval que falava do lança-perfume?, lembra.
Hoje em dia lança-perfume é reconhecido pela Vigilância Sanitária Nacional como uma droga, mas era a ?coqueluche? dos salões até a década de 60, segundo conta Carlito Lima.
?Era usado para perfumar ambientes e as roupas das moças?, lembra Carlito.
LEGISLAÇÃO
Hoje a Lei 6.368/76 considera, em seu art. 12, como criminosa a importação, fabricação, venda, transporte, guarda, consumo, dentre outros, de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
A Portaria nº 344, de 12 de maio de 1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde menciona como substâncias de uso proscrito no Brasil, além da cocaína, a maconha, a heroína, etc., também o cloreto de etila (lança-perfume), como psicotrópico, ou seja, substância que provoca alterações de funções mentais indesejáveis, ameaçando a saúde ou modificando o comportamento humano.
Intuito da droga sempre foi deixar os foliões embriagados
Para o produtor cultural e produtor do Jaraguá Folia, Edberto Ticianeli, de 59 anos, o lança-perfume foi fabricado com intuito de embriagar as pessoas.
?O lança-perfume sempre foi usado para embriagar. Eu acredito que desde a sua fabricação que o intuito era esse. Eu conheci o produto nos anos 60, nos carnavais de Maceió. Geralmente era usado num lenço para dar um porre e se embriagar?, relata.
O produtor lembra que no início dos anos 60 o lança-perfume era bastante popular no Carnaval de Maceió e que ele já presenciou muitos foliões perdendo os sentidos pelo uso da droga.
?Não posso afirmar com certeza sobre pessoas que tenham morrido em acidentes por conta da mistura do lança-perfume com bebida alcoólica, mas já vi pessoas perdendo os sentidos no meio dos bailes de Carnaval depois de dar um porre. Mas logo em seguida levantavam?.
Mesmo com a proibição, Edberto lembra que a Polícia Militar fazia ?vista grossa? em relação ao uso do lança-perfume no Carnaval de Maceió.
?Só nos anos 70 é que a proibição ficou séria. Os foliões eram abordados por policiais militares que revistavam as pessoas como quem procurava armas, mas estavam procurando lança-perfume para apreender. Teve que ser proibido porque as pessoas perdiam os sentidos usando o produto?.
Edberto observa ainda que nos filmes sobre guerras, é possível ver que o éter ? produto usado na fabricação do lança-perfume ? era utilizado para ?adormecer? os feridos com porres para que fosse possível realizar procedimentos cirúrgicos.
?É tão forte que faz com que as pessoas ?apaguem??, destaca.
Outro folião da época e adepto do lança-perfume, o aposentado Carlos Leão, de 66 anos, lembra que o produto vinha da Argentina e era muito caro.
?Só comprava quem tinha um poder aquisitivo maior e acho que por isso que a proibição não era tão rígida. Eu me lembro que não podia ser vendido para menores de idade, mas os adultos compravam meio que na clandestinidade?, lembra.

O aposentado Carlos Leão relata que ao tomar um porre da droga podia ?ver estrelas e sentir os pés saindo do chão? (Foto: Arquivo pessoal)
Carlos relata que ao tomar um porre da droga, podia ?ver estrelas e sentir os pés saindo do chão?.
?Eu era estudante na época, em meados dos anos 60, e ?pegava carona? no lança-perfume dos meus amigos. Na minha época teve gente que morreu de overdose, porque fazia acelerar o coração e muitas pessoas não aguentavam. Ouvíamos muito nas rádios?, conta Carlos.
Uso destrói células do cérebro e pode levar a desmaios
De acordo com artigos publicados em sites especializados, o lança-perfume acelera a frequência cardíaca, podendo chegar até 180 batimentos por minuto. Aparentemente inofensiva devido ao seu cheiro, esta droga destrói as células do cérebro e pode levar o usuário a ter desmaios ou vômitos e principalmente o enfraquecimento dos ossos.
Os efeitos do lança-perfume podem variar conforme a quantidade inalada pelo usuário. Ele age no sistema nervoso central e causa desde um pequeno zumbido até fortes alucinações que iniciam de 5 a 10 segundos após a inalação da droga e dura de 30 segundos a até 10 minutos.
Os efeitos destacados da inalação do lança-perfume são: euforia e excitação; perda de tato; formigamento das extremidades (mãos e pés); formigamento da face; distúrbios auditivos, referidos como ?tuim? (seme-lhante ao barulho de uma linha telefônica aguardando uma chamada) e um som semelhante ao de um helicóptero (vum vum vum) ou ambulância; alucinações - se inalado em grandes quantidades, a pessoa perde os sentidos (tem alucinações, sonhos); mas podendo sempre sofrer sérios danos causados por quedas ou por agir inconscientemente; após o efeito da droga, é comum dores de cabeça, sensação de mal estar, náuseas e dores no estômago, podendo ocasionar hemorragias, além de problemas psíquicos como a depressão; se ingerido juntamente com bebida alcoólica, pode causar coma profundo; inconsciência; e perda de memória.
Inalantes causam dependência
Os inalantes (ou delirantes) não causam dependência física, mas o mesmo não se pode afirmar da dependência psicológica e da tolerância.
Depois de absorvidos pela mucosa pulmonar, essas substâncias são levadas para o sistema nervoso central, fígado, rins, medula óssea e cérebro, causando neste último o bloqueio da transmissão nervosa.
Para os indivíduos já viciados, a síndrome de abstinência, embora de pouca intensidade, está presente na interrupção abrupta do uso dessas drogas, aparecendo ansiedade, agitação, tremores, cãibras nas pernas, insônia e perda de outros interesses que não seja o de usar solvente. A tolerância pode ocorrer, embora não tão dramática quanto de outras drogas.
Uma versão não oficial do lança-perfume (porém igualmente tóxica e com sérios riscos à saúde) é conhecida como ?cheirinho?, ?bico verde?, ?loló? ou ainda ?cheirinho de loló?. Este é um produto preparado de forma artesanal, à base de clorofórmio e éter (substâncias potencialmente cancerígenas).
Outras substâncias são frequentemente adicionadas a esta mistura, o que pode potencializar os casos de intoxicação.
Apesar de não existirem estudos conclusivos sobre dependência do ?loló?, sabe-se que possui diversos efeitos colaterais.
Assim como o lança-perfume, o uso excessivo da droga pode causar a morte.
As alucinações do loló implicam em desequilíbrio, confusões auditivas e em alguns casos visuais.
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