DE MACONDO PARA LÉO

Crônicas

José Geraldo Wanderley Marques

Prof. Dr. José Geraldo Wanderley Marques quando do seu discurso de posse na Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes- julho/2018

Não sei a sua (Ipirá?) , mas parece que a minha querida Macondo não mais existe. Santana do Ipanema está uma metrópole: desta vez encontrei-a bonita, arrumada, limpa e creio que em boas mãos (nas mãos outrora opositoras da política do meu pai). Fui em missão interna e externa de paz e voltei pacificado e pacificador.Venci o medo (?) do retorno e voltei com aquele gosto  bom de quero mais.  Vou voltar, pois agora sou “escravo” da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes que exige minha presença em algumas reuniões. A entrega do título foi em uma cerimônia simples e bonita (na sexta-feira, 13. Vou postar fotos no face. Homenageei, com leituras de poesias que fiz para eles, duas pessoas que decididamente me influenciaram no gosto das letras: o meu pai (cujo centenário de nascimento foi em abril do corrente ano) e José Marques de Melo (o meu primo recém-falecido que brilhou aqui, nos Estados Unidos e até ... na China!). O primeiro, como quem não quer nada, dava-me para ler material direitista.O segundo, como quem quer tudo, dava-me para ler material de esquerda. Creio que isto conduziu-me para o estado de lucidez ambidestra no qual agora me enquadro.

O desencantamento de Santana do Ipanema salta aos olhos. O rio Ipanema, o mais belo rio da minha aldeia, acabou. Isso mesmo: ACABOU-SE o principal afluente da margem esquerda do baixo rio São Francisco. Nem uma gota d´água, nada  mais das enchentes e  cachoeiras que levaram minha infância ao delírio. Fui procurar a antiga Pedra do Navio, onde se dizia que havia inscrições fenícias e não achei mais nada, nem pedra sobre pedra. 

O “encanto” metropolitano, porém, também salta aos olhos. Ficamos hospedados num hotel de chalés periférico à cidade que se chama Acqua Park e tem esse nome porque realmente é um parque aquático, de um verde esplendoroso, com direito a piscinas (no plural) e toboáguas. O prédio da Universidade (que inclusive tem curso de biologia) tem ares clássicos da Grécia. Tudo isso em pleno sertão alagoano! Quem de imaginar haveria de? Sim, tem também motel muito alinhado, segundo dizem. De fora é mesmo atraente.

E como profanação das profanações, a realização por três dias neste fim de semana (acho que 13, 14 e 15) de uma das maiores atrações turísticas do estado de Alagoas. Trata-se da Festa da Juventude que ajudei a criar como parte do novenário de Senhora Santana e que virou uma mistura de woodstok, rock´n´Rio, bacanais da Agronomia da UEFS, etc, com direito, inclusive, a assassinatos. Num espaço em que mal caberiam 12 mil pessoas, amontoam-se 40.000. Todas essas bandas famosas se apresentam lá, de rock a forró. Dizem que a cidade fica cheirando a urina masculina e a outros ferormônios. Não é pra menos. João Maurício claro que foi. Terminou no motel. 

Sim, tem pizzaria chic e um lindo hotel 4 estrelas. Preço da diária por pessoa nos dias da Festa da Juventude: 500 reais e  - acrescente-se que não sobram vagas.

A cidade agigantou-se pelas duas margens do rio que não é mais rio e a população parece beirar os 50.000 habitantes. No meu tempo sonhávamos com os primeiros 10.000 urbanos concentrados em apenas uma das marges. Foi o meu pai que, como Prefeito, criou o bairro da outra margem, que se chama Domingos Acácio, nome de um expedicionário da FEB filho de Santana. Antes, havia apenas um tugúrio pequeno mas que se impunha pelo poético do nome de Cachimbo Eterno. Coalescia com outro que se chamava O Rabo da Gata. Desencantaram-se (ou encantaram-se?) todos dois. Agora há um bairro planejado, num exemplo sertanejo de gentrificação. Dois dos meus preferidos alcoólicos (Camilo e Regina) e o  adolescente gay mais feliz que já conheci (foi Rainha do Carnaval e desfilou em carro aberto em uma manhã da folia)  moravam por lá.

Dizem que o “red light district” ainda continua no mesmo lugar, na minha época um gueto de prostitutas. E dizem mais ainda que o cafetão e protetor das meninas chamado “Olegário”,  com a sua elegante echarpe, ainda pontifica por lá. Será? ou será apenas o seu espectro marginal? De qualquer jeito agora é bem urbanizado, com asfalto e tudo o mais. 

Os tempos, de fato, são, outros. Respondendo à sua expectativa, Leo, digo com toda certeza que Heráclito ainda continua merecedor de todo crédito: nunca entramos duas vezes no mesmo rio! E eu, depois do desastre com o Ipanema, não tenho mais nem o direito de entrar sequer uma vez.

Por tudo e  apesar de tudo amo Santana com um forte amor telúrico, um caso exemplar de topofilia. Quem sabe, eu não fecharei o círculo indo morar lá?

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