Meados de 1972. A noite já estava chegando, meu horário de trabalho sendo concluído e eu, na expectativa do que estava por vir, contava os minutos para ir para casa.
Entre meus primos e primas, pois a família, tanto da parte paterna, quanto da parte materna era grande, naturalmente tinha afinidades com alguns. José (in memoriam), filho de Tio Marinho (in memoriam) irmão de meu pai, era um deles.
Esse tio morava num local denominado Serrote dos Franças. Nesse sítio moravam vários outros tios, mas a residência dele era minha referência quando os visitava.
José (in memoriam) e eu tínhamos a mesma idade. Éramos amigos inseparáveis. Apesar de ter outros tios residentes em outro sítio, no Serrote dos Bois, no mesmo município, inclusive mais perto da cidade – apenas 9Km -, depois que soube da existência desse primo, que aconteceu já na adolescência, minha preferência nas visitas ficou sendo o Serrote dos Franças – distante 12Km.
Não me recordo se já tinha completado os 15 anos. Trabalhava às quartas-feiras e sábados como balconista na Casa o Ferrageiro, na praça da Matriz da cidade de Santana do Ipanema.
Como nutria dentro de mim um espírito aventureiro e meu primo José (in memoriam) também, era comum ele vir à Santana aos sábados para a casa de meus pais e, à noite, após eu chegar do meu trabalho, jantarmos e viajarmos para casa de seu pai, meu tio. O percurso, Santana/Serrote dos Franças era feito a pé.
Apesar da seca que tinha assolado a região no ano de 1970, a região ainda possuía uma imensa parcela de terras sem desmatamento, o contrário de hoje, 2021, que a região de mata virgem é minúscula.
Pois bem...
Cheguei em casa aproximadamente às 18h30; meu primo já estava a minha espera. Jantamos, peguei uma peteca (íamos caçar no domingo), uma pequena haste de ferro para brincarmos de “finca”, algumas ximbras (bolas de gude), um baralho e um par de dados (esses dois guardava longe da vista de meu pai, pois ele não queria que seus filhos jogassem jogos de azar), um outro calção (para brincar no sítio, preferia ficar sem camisa), chicletes, confeitos e um canivete (esse último era outro apetrecho que se meu pai descobrisse que eu tinha, não me matava, mas creio que eu não escaparia de uma tremenda de uma surra). Com exceção do canivete que o prendi por dentro do calção, coloquei tudo dentro de uma mochila. Meu primo, também, estava “armado” com outra pequena arma branca.
Após pedir que meus pais me abençoassem, José (in memoriam) e eu saímos. Passava das 20h. Estava muito escuro. Noite sem lua. Como essas viagens era para testar nossa coragem e nosso espírito de aventura, não utilizávamos lanternas. Tínhamos que viajar “na cara e na coragem”. Pelo fato de ter chovido nos últimos dias, até a visibilidade na estrada que era o referencial nas noites escuras estava comprometida. Mas, para nós, o que valia era a experiência. Assim, iniciamos a saga naquela noite.
No percurso, além do coaxar dos sapos (quando chovia eles desentocavam não se sabia de onde e coaxavam à noite, pelo menos naquele tempo era assim), das folhagens das matas, agitadas pelo vento, que margeavam a estrada e do latir de cachorros (de algumas casas, também próximas ou à margem do caminho), que nos acuava (quando não se manifestavam, nós os provocávamos para que eles corressem atrás de nós), de algum barulho ou outro provavelmente do deslocamento de algum animal silvestre, ouvíamos apenas nossos próprios passos e vozes decorrente de nossas conversas, onde explorávamos os mais diversos temas (família, amizades, brincadeiras, escola, trabalho, resenhas, garotas, assombrações (fenômenos paranormais)...etc).
Passava das 22h e eis que ao nos aproximarmos de uma nascente que deu origem ao nome do Povoado de Olho d’Água do Amaro, há 9km de Santana, portanto, já próximo do Serrote dos Franças, ouvimos passos além dos nossos.
Munidos de nossos canivetes (como se isso fosse adiantar alguma coisa se tivéssemos que nos defender de adultos), José (in memoriam) e eu, combinamos de acelerarmos os passos. Os outros passos aceleraram também. Diminuímos... os outros passos também. A adrenalina subiu, aumentamos outra vez os passos e mantivemos assim até chegarmos. Nosso coração só faltou “sair pela boca”.
Já na casa de Tio Marinho (in memoriam), junto a ele, nos demoramos um pouco na calçada para ver quem iria passar pela estrada depois de nós. Não demorou muito, apareceu o responsável pelo medo que tivemos naquela noite. Um vizinho de meu tio. Ele veio até nós e, rindo, disse que apenas quis nos assustar.
Depois de um delicioso café com bolachas, esse vizinho se retirou. Meus tios, após recomendar para que pudéssemos ficar a hora que quiséssemos acordado, desde que José (in memoriam) e seus irmãos/irmãs se levantassem às 4h para ordenhar as vacas para a tirada do leite, foi dormir.
Ficamos resenhando até quase 1h. Depois nos recolhemos, pois após o amanhecer, teríamos muitas aventuras pela frente...
Saudades... Sentimento que tempera a alma...
Enigmas da vida!!!
[Pe. José Neto de França]
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