Exatamente no dia 01 de novembro de 2016, meu amigo Rodolfo Soares Araújo (in memoriam) postou em seu perfil no Facebook: “Há lugares dentro de si mesmo que ele não pode ir em segurança.” Hannibal.
Apesar de ter assistido a série “Hannibal”, naquele momento não me recordei dessa frase. Ao questionar meu amigo ele me fez lembrar: “Ele” é um dos personagens dessa série, o Will Graham
Mais recentemente, relendo minha sétima obra, “Uma amizade que se prolonga para a eternidade”, onde narro esse fato, comecei a pensar sobre a mente humana. De fato, há "lugares" em nossa consciência nos quais precisamos ter muito cuidado quando "os frequentamos", seja por vontade própria ou mesmo contra nossa própria vontade...
Nossa mente é bem complexa. Como tudo que existe no universo tende para uma estabilidade natural, com ela, a mente, não é diferente.
Vejamos o e exemplo do corpo humano: quando você está em um lugar frio seus poros se fecham para que o seu corpo seja protegido da temperatura externa e, assim, a temperatura interna (a do corpo) não baixe dos 35º. Caso contrário você pode padecer de uma hipotermia o que colocaria a sua vida em risco. Igualmente, se fizer muito calor, seus poros se abrem (relaxam), para que você, pela transpiração, evite que a temperatura suba incontroladamente e provoque uma hipertermia, o que fatalmente, também, te colocaria em risco de morte.
Da mesma forma a fome e a sede nada mais é que uma sensação fisiológica pelo qual o corpo dá o alerta como que a dizer que necessita de alimento ou de água para manter suas atividades inerentes à vida.
Mas, voltemos a questão da mente. Ela, como faz parte de um complexo no qual o homem é definido, acredito, procura, naturalmente, manter seu psicológico em equilíbrio.
Exemplo disso é que em muitos casos, quando uma pessoa, independentemente da idade, sofre um trauma muito forte, a mente costuma “apagar”, pelo menos para o consciente e subconsciente os registros considerados “danosos” a saúde mental da pessoa.
O problema é que, também acredito, esses registros, apesar de “deletados” do consciente e subconsciente, permanecem no chamado “porão da consciência” ou inconsciente, mas com um “gatilho” que pode ser acionado a qualquer momento da linha do tempo da vida humana.
Quando ainda era Diácono, ouvi outro dia uma história da vida real narrada por uma pessoa amiga. Disse-me ela:
Letícia (nome fictício), nascida no sertão alagoano, tinha 54 anos. Começou muito cedo a namorar com um jovem chamado Jorge (nome fictício), e acabou saindo de casa para morar com ele. Esse “incidente” a afastou um pouco de seus familiares. Passado uns dois anos, reconciliou-se com a família e seus pais e os pais de seu companheiro. Os pais do casal, então, providenciaram o matrimônio no civil e no religioso.
Depois do casamento foi com o esposo residir no interior de São Paulo. Lá, ela teve três filhos.
Tudo corria muito bem até que no início da noite de uma quarta-feira do mês de setembro do ano de 1994, ela estava em casa finalizando o jantar para os filhos e o seu esposo que estava para chegar do trabalho, enquanto ouvia o apresentador de um programa policial de uma rede de TV falar de uma criança de aproximadamente dois anos que tinha sido violentada pelo pai.
Quando Letícia ouviu a expressão: “criança de aproximadamente dois anos foi violentada pelo pai”, ela sentiu seu corpo levar como que um choque, ficar trêmulo... Nisso, correu até a TV e a desligou. Mas o estrago já estava feito.
Sentou-se em um sofá que estava próximo a TV; sua vista ficou embaçada e como que num filme ela se viu sendo abusada pelo seu pai. Foi a pior experiência pela qual ela já passou. Não tinha dúvidas. Aquela horrível notícia trouxe ao seu consciente esse fato trágico que aconteceu no passado e que, talvez para defesa do seu próprio psicológico, tenha sido bloqueado por tanto tempo.
Pronto. Aqui começou todo o calvário. Largou tudo, saiu sem rumo, sem avisar a ninguém, perdida nesse vazio que a estava consumindo. Sentimentos de ódio, de medo, de vergonha, se misturavam e se alternavam, provocando extremo sofrimento.
Saiu do interior de São Paulo e veio, de carona em carona, parar no Alto Sertão alagoano, onde residiam seus parentes. Seu esposo e filhos muito angustiados a procurou por toda parte até que, sabendo de sua chegada a sua terra natal, vieram ao encontro dela. Mas ela preferiu permanecer um pouco mais onde tudo começou, pelo menos até livrar-se da dilaceradora angústia.
Certamente que, além do apoio familiar, ela foi encaminhada a profissionais de saúde, além de assistência religiosa.
Segundo o mesmo amigo que me narrou essa história, ela após recuperação, retornou com esposo e filho à São Paulo.
Pode até ser que o indivíduo jamais venha a ter recordações de traumas passados, mas pode, também, viver com algumas sequelas, mesmo sem ter noção das origens dessas. Por isso que uma das principais providencias que tomo ao atender alguém com problemas psicológicos é ver a questão não como a causa em si, mas como a consequência de algo que aconteceu no passado. Uma “investigação” nesse sentido pode levar a um “diagnóstico” mais seguro do problema e a possibilidade de “cura” é bem mais ampla.
Logicamente que há casos que o acompanhamento de um profissional da saúde ou um sacerdote, ou ambos, é essencial. Como disse no início desse texto, “há lugares dentro de si mesmo que ele não pode ir em segurança.” Claro, não ir só, mas muito bem acompanhado.
Enigmas da vida...
EGO, ME IPSO!!!
[Pe. José Neto de França]
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