SENTINELAS, BENDITOS E EXCELÊNCIAS

Djalma Carvalho

Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Maceioense de Letras.

Vejo em páginas do livro Maceió de Outrora (Edufal, vol.2, Maceió, 2001), de autoria de Félix Lima Júnior, obra póstuma, retalhos de crônicas que retratam com fidelidade histórica o clima de intensa turbulência política vivido em Alagoas nos últimos anos do mandato do governador Euclides Malta, no início do século passado.
Diga-se, inicialmente, que Félix Lima Júnior era homem culto, escritor, cronista, historiador e membro da Academia Alagoana de Letras. Atendendo a convite do prefeito Dr. Hélio Cabral de Vasconcelos (1956/1960) esteve ele em Santana do Ipanema para proferir palestra por ocasião da I Feira de Livros e Semana Cultural da cidade. Conheci-o aposentado do Banco do Brasil, fazia muito tempo. Seus filhos Cláudio e Luiz Fernando foram meus colegas de trabalho no BB, na agência centro de Maceió.
Na verdade, Euclides Malta governou Alagoas no período de 1900 a 1903 e no de 1906 a 1912. No período de 1903 a 1905, governou seu irmão Antônio Joaquim Paulo Malta. O governador Euclides Malta era genro do também político Manoel Gomes Ribeiro, Barão de Traipu, com quem se desentendera em certa quadra da política alagoana.
O período final do governo de Euclides Malta foi marcado por perseguições, atentados e crimes. Toda essa onda de violência, segundo os historiadores, foi insuflada e praticada por sócios e seguidores da Liga Republicana dos Combatentes, fundada em 19/9/1911, que funcionava como organização paramilitar de oposição à chamada oligarquia maltina. Agravou-se a tal ponto a violência em Maceió que, em 10 de março de 1912, foi assassinado Dr. Bráulio Cavalcanti na Praça dos Martírios, quando participava de reunião política.
Disse Félix Lima Júnior, à página 154 do livro inicialmente citado: “Em 1910 e em 1911, nas noites de sábado, principalmente, não se podia dormir sossegado em certas ruas de Maceió, devido ao barulho dos tambores e zabumbas nos terreiros.”
O violento ódio que então se nutria contra a oligarquia dos Maltas atingiu também os terreiros e outras manifestações culturais, folclóricas e de crenças várias.
Bastante conhecida na história de Alagoas, a Quebra de Xangôs e Terreiros ocorreu em Maceió em 1º de fevereiro de 1912. Verdadeira tragédia. “Elementos populares, no dizer do citado escritor, capitaneados por sócios da Liga, invadiram os terreiros, quebrando objetos de culto, pondo em fuga, apavorados, os pais e mães-de-santo, que deixaram suas casas, enquanto os parentes fugiam à perseguição criminosa e bárbara.”
Vê-se hoje, também, o perigoso ódio político que se instalou no Brasil de uns tempos para cá, fato que vem preocupando autoridades e tirando a paz e o sossego do nosso povo, a julgar pelos disparos de arma de fogo contra um dos ônibus da caravana do ex-presidente Lula, em passagem pelo Paraná, e contra o acampamento do PT em Curitiba. Ainda mais preocupante: ministros, ex-ministros, magistrados e artistas têm sido insultados em restaurantes, aeroportos e em outros lugares públicos pelo Brasil afora.
Todo este comentário vem a propósito do que disse o historiador Tadeu Rocha (1916-1994) em seu livro Modernismo & Regionalismo, à página 143, sem mencionar datas: “Lá em Santana do Ipanema, um delegado de polícia, bacharel pela Faculdade de Direito do Recife, perseguiu duramente os reisados e mandou espancar Mateus, Doutores, Jaraguá e outros personagens. E um delegado regional, também formado em Ciências Jurídicas e Sociais, acabou com as sentinelas da cidade, com seus benditos e suas excelências, porque perturbavam o sono dos homens de bem.”
Leva-me a crer, afinal, que essas intoleráveis ações policiais e proibições de festas e tradições populares em nossa pacata Santana do Ipanema tenham tido, como fonte incentivadora, o violento episódio da Quebra de Xangôs e Terreiros, que ocorreu em Maceió em 1º de fevereiro de 1912.

Maceió, junho de 2018.

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