RECORDAÇÕES DO BANCO DO BRASIL DE OUTRORA (*)

Djalma Carvalho

Bastou-me o anúncio de rodapé de página da revista Ação da ANABB para que eu pudesse receber, pelo Correio, um exemplar do livro Nosso Banco do Brasil Era Assim... (Gráfica Sul & Editora, Natal, 2019), de autoria de Francisco de Assis (Ciduca) Barros, colega aposentado residente na capital potiguar.
Às vezes, tenho sonhos e, ao acordar, vejo que o tempo neles vivido já havia passado fazia quase trinta anos. Mas, como disse José Saramago, “sonhos são como nuvens, vêm e vão”. Em verdade, esses sonhos mal nenhum me causam. Diferentemente de pesadelo, que “é uma égua desembestada no sono”, como dito por Rubens Alves, escritor mineiro.
Admiro, destarte, prosadores, escritores e poetas que exaltam a alma, a vida, os sonhos mais lindos, o céu estrelado, o plácido lago, o murmúrio do mar, com expressões, românticas até, que enfeitam a Natureza em sua plenitude e me encantam.
Uma beleza!
Depois dessas digressões, falemos de saudade que sempre me sobra nos sonhos que tenho tido, vivendo o ambiente agitado, mas alegre, dos expedientes do Banco do Brasil de outrora. De um lado, os colegas de trabalho, o ensurdecedor barulho das máquinas de escrever, tempos depois aposentadas; do outro lado do balcão, os tomadores de empréstimo e os clientes em geral, assistidos pelo Banco oficial, impulsionador do progresso e do desenvolvimento dos mais distantes rincões e de cidades deste imenso país.
Bons tempos, inesquecíveis.
Trago, nessa esteira de rememorações, para início de conversa, o que disse o amigo e poeta alagoano Cavalcante Barros: “Saudade não se mata. Alimenta-se.”
Então, vamos alimentá-la com a leitura do excelente livro de histórias e historietas, escrito por Ciduca Barros, colega que nasceu em Caicó (RN), no Seridó, e, uma vez aprovado no concurso do BB, tomou posse na agência de Currais Novos (RN) em 1961. Daí andou por várias agências, trabalhando e assimilando cultura e costumes diferentes. Não deixou de anotar casos e causos de colegas, de clientes e de viventes dessas cidades, tudo vindo à baila depois da sua merecida aposentadoria. Sobre seus livros publicados, esclarece: “Nosso objetivo sempre foi este: mexer com as doces lembranças de ‘nós velhinhos’ e comprovar que aquele BB já não existe mais.”
Deliciei-me com suas histórias engraçadas, pitorescas, com seus casos e causos escritos com invejável talento. Texto alegre, leve, fluente e livre de rebuscamentos. Privilegiada memória, de tantas relembranças e de boas recordações que ocuparam 257 páginas, ilustradas e enriquecidas com fotos e charges. Parece-me que o colega Ciduca, possuidor de memória fotográfica, não esqueceu o que era o Banco do Brasil de antigamente, orgulho dos seus funcionários e formador de caráter, de ética e de honradez daqueles que a ele dedicaram o vigor de sua mocidade, o ardor da força do seu trabalho, inteligência e talento criador.
Viajei no tempo, recordando com saudade o expediente das agências, clientes, colegas, caixas executivos, filas, alegre ambiente de trabalho, encargos administrativos, metas a cumprir, administradores, histórias de velhos contínuos, festas da AABB, homéricas farras e a inesquecível “família satélite”. Esqueçamos os maus colegas, frustrados profissionalmente e inimigos da bicentenária empresa da qual se orgulha o Brasil. Deveriam jogar fora as lantejoulas de suas graduações, recolhendo-se aos desígnios de sua velhice de desesperança.
Dei boas risadas com as histórias contadas que levam o leitor a chegar à última página do livro com vontade de ler tudo de novo.
Escolhi para o final deste comentário apenas três histórias que veremos a seguir, entre tantas outras enfeixadas no livro.
Comecemos pela história do touro financiado, que o Banco exigia que fosse dado nome ao animal, providência contratual não cumprida pelo tomador do empréstimo. De tanto ser cobrado pelo chefe da carteira rural, o abusado mutuário irritou-se, e houve o seguinte diálogo:
– Qual o nome do touro?
Resposta do mutuário;
– No touro, que tem chifres grandes, o senhor bota o nome do seu pai!
Mais outra história. Em uma pequena cidade do interior, duas “moças” ditas meretrizes, cientes do progresso dos tempos modernos, resolveram fechar o bordel e pleitear empréstimo no BB para a criação de uma microempresa de confecções. As ditas “meninas” conseguiram, de forma legal, o financiamento pretendido. Abandonaram o “trabalho na horizontal” e mudaram de profissão. Atenderam, assim, a apelos de ciumentas senhoras da sociedade local, defensoras como tais da moralidade e dos bons costumes.
Veja-se o final do despacho do gerente ao deferir o empréstimo: “... porque elas resolveram trabalhar COM roupas.”
A última história escolhida refere-se ao exigente fiscal do Banco, que, indo à propriedade do mutuário, que era deficiente visual, dele exigiu que lhe mostrasse o animal adquirido com o financiamento. Daí o diálogo:
– O senhor diz ter comprado o boi e afirma que não viu?
Resposta do mutuário:
– Eu sou cego, seu fiscal!
Parabéns ao autor. Aguardemos, afinal, o novo livro do escritor Ciduca, com igual temática, praticamente concluído.
(*) – O colega escritor Francisco de Assis (Ciduca) Barros, de Natal(RN), faleceu em julho/2020, vítima da Covid-19. Também vítima da Covid-19 faleceu esposa.
Maceió, março de 2020.

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