O QUE ERA NÃO É MAIS

Djalma Carvalho

Embora o assunto seja para aula de filosofia, verifico que no presente argumento a premissa também serve de base à verdade da conclusão proposta: o que era não é mais, logo o que era deixou de ser.
A lógica da proposição faz-me lembrar o diálogo havido entre Jesus e Maria de Magdala, encontrado à página 342 do livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de autoria de José Saramago, saudoso escritor português ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1998.
Eis o diálogo: Jesus pergunta – “De quem te escondes?” Responde Magdala – “Não sou quem fui, é verdade, mas sou quem era.”
Em meu curso de Direito, concluído em 1980, ensinou-me o jurista De Plácido e Silva, com a leitura do seu Vocabulário Jurídico, edição Forense, 1978, volume IV, página 1377, verbete Retroatividade das Leis, o seguinte: “Em princípio, as leis são irretroativas: não retrocedem para levar seus efeitos aos atos pretéritos. Regulam somente os atos que se sucederem à promulgação. Respeitam os direitos adquiridos, os atos jurídicos perfeitos e as coisas julgadas. As leis somente retroagem, em regra, quando expressamente dispõem efeitos retroativos ou pela natureza de suas próprias regras.”
Aliás, direitos e garantias fundamentais da espécie foram assegurados na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5 º, inciso XXXVI.
Todas estas divagações vêm a propósito dos termos do Ofício nº 016/76, de 2 de fevereiro de 1976, que me foi endereçado por Adeildo Nepomuceno Marques, então prefeito de Santana do Ipanema, como seguem:
“Ilustre Professor,
Tenho a satisfação de levar ao seu conhecimento que, movido pelo desejo de prestar um preito de reconhecimento a sua pessoa pelos relevantes serviços prestados à comunidade da terra de Senhora Santa Ana, como professor, como bancário, como Lions, enfim como homem que dignifica a nossa terra, de dar o nome de “Professor Djalma de Melo Carvalho” ao Grupo Escolar que nossa administração vem de construir no sítio Araçá deste município.
Apresento a Vossa Senhoria protestos da mais alta estima e viva consideração.
Atenciosamente,
Adeildo Nepomuceno Marques – Prefeito.”

Coube-me, sensibilizado e de pronto, agradecer ao senhor prefeito de minha cidade natal a honrosa e significativa distinção a mim conferida.
Na verdade, com humildade, mas orgulhoso com a honraria, além dos serviços prestados à comunidade santanense, citados generosamente pelo saudoso prefeito, minhas crônicas publicadas em jornais de Alagoas e inseridas nos meus livros editados tiveram como mote principal a divulgação de Santana do Ipanema, suas coisas, suas riquezas, seus costumes, seus tipos populares, suas ilustres personalidades, sua história e o calor humano da hospitalidade da gente sertaneja.
Há pouco, estive em Santana do Ipanema, para participar de reunião ordinária da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes. Logo à noite, compareci à igreja matriz para assistir aos festejos da penúltima noite da festa da padroeira da cidade.
Ali mesmo, terminada a celebração da solene missa, abracei familiares, amigos e conterrâneos. Também cumprimentei e abracei o prefeito do município Isnaldo Bulhões, meu conterrâneo e contemporâneo, e sua esposa Renilde Bulhões.
Ao ensejo dos cumprimentos, comunicou-me o prefeito: “O nome de sua rua ficou, mas seu nome foi retirado do grupo escolar do sítio Araçá. Agora, premido pelo rigor da lei vigente, o grupo terá o nome do seu pai, ‘seu’ Manezinho.”
Ressaltei, a propósito, que nesse sentido nada havia pedido ao prefeito Adeildo Nepomuceno Marques nem a ninguém. O “preito de reconhecimento”, entretanto, citado na correspondência oficial acima, ficou por conta da generosidade e da visão política do falecido líder santanense.
Pois bem. Agradeci a providência administrativa tomada pelo prefeito Isnaldo Bulhões, ainda que o grupo escolar tenha sido construído, com o meu nome posto na parede externa, em 2 de fevereiro de 1976, data anterior à vigência da Lei nº 6.454, de 24 de outubro de 1977.
Finalmente, não obstante consumado o fato, e entendendo que, pelo princípio da irretroatividade, “as leis não retrocedem para levar seus efeitos aos atos pretéritos”, seria de bom alvitre, a meu ver, que fosse o assunto submetido à douta apreciação da assessoria jurídica do ilustre e preclaro prefeito da nossa cidade, a fim de dirimir a dúvida suscitada.

Maceió, agosto de 2019.

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