Djalma de Melo Carvalho
Jornalista (MTb/AL 246/85) e membro da
Associação Alagoana de Imprensa (AAI).
Acabo de ler o livro Golpe 16 (Edições Fórum, 1ª Edição, São Paulo, 2016), coletânea organizada por Renato Rovai, composta de selecionados artigos escritos por 23 renomados jornalistas brasileiros que atuam diariamente na imprensa digital alternativa, progressista e independente.
Vê-se o leitor diante de minuciosa e cuidadosa análise política e econômica do Brasil, a partir de 1954, com o suicídio do presidente Getúlio Vargas, até a consumação do golpe parlamentar-jurídico-midiático (p.30) que afastou do governo a presidente Dilma Rousseff.
Interessante seria que todo brasileiro pudesse debruçar-se na leitura deste livro, para melhor entender o que se passou com o Brasil democrático, visto por confiáveis fontes colocadas no outro lado do muro da recente crise política brasileira.
A seguir, alguns retalhos da narrativa para melhor reflexão do leitor.
Em 1954, instalou-se no Brasil a chamada República do Galeão para investigar o presidente Getúlio Vargas. O filho de Getúlio, Lutero Vargas, foi levado a depor, e era chamado por Carlos Lacerda – então líder golpista udenista – de “o filho rico do pai dos pobres”, “degenerado”, “meliante” e “ladrão”, de “ter amealhado um patrimônio incompatível com o exercício honesto da medicina”, segundo o escritor Lira Neto (pp.178/179). Da mesma forma, hoje filhos de Lula são intimados a depor na operação lava jato. O jornalista Rodrigo Viana acrescenta (p. 177): “Vargas era tratado como ‘chefe de bando’, da mesma forma que o PT é hoje tratado como ‘organização criminosa’. Presume-se que o plano seria levar o próprio Vargas a depor, mas não houve tempo: antes disso, a escalada golpista levou o presidente ao suicídio na manhã de 24 de agosto de 1954.”
A espada firme, democrática e legalista do general Lott, entretanto, garantiu a posse de Juscelino Kubitschek na presidência da República, retardando o golpe de 1964 por 10 anos.
Coincidência ou não, o núcleo da força-tarefa da lava jato está instalado na chamada República de Curitiba. “Lula, este sim, foi conduzido coercitivamente para depor no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, na manhã de 4 de março de 2016. O plano original seria conduzir Lula preso, de avião, até Curitiba, plano que teria sido frustrado pela reação de militantes petistas que ocuparam Congonhas naquela manhã.” (p.179). Sobre esse fato, o ministro do STF, Marco Aurélio Mello, revelou-se “perplexo” com o abuso de autoridade cometido pela operação anti-Lula. Da mesma forma, outros juristas, como Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Fernando Fernandes, Fábio Tofic Sirmantob, Antônio Malheiros, Lenio Luiz Streck, Thiago Bottino, disseram que a “pirotecnia é instrumento para efetivação de medidas ilegais”. O ex-ministro da Justiça de FHC, José Gregori (p. 98) disse: “Na realidade o que parece é que esse juiz (Sérgio Moro) queria era prender Lula.” Sobre os objetivos da operação, disse o jornalista Luiz Carlos Azenha (p.130): “Constranger ilegalmente o ex-presidente Lula, desmoralizar o PT, enfraquecer o governo e fortalecer os protestos pró-impeachment agendados para o dia 13 de março.”
Disse Karl Marx: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.”
Vieram, então, as eleições de 2014. Os derrotados nas urnas iniciaram a conspiração, começando por criminalizar os petistas, chamando-os de corruptos e ladrões. A propósito, disse Kenneth Maxwel, historiador britânico, fundador do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Harvard, EUA, (Jornal Extra, Maceió, 15 a 21/01/2016, p.30): “O PT não inventou a corrupção no Brasil, pois ela é bipartidária.” Afirmação confirmada com o aprofundamento das investigações da lava jato, que tem alcançado outros partidos, incluindo o PSDB e o PMDB.
“O ódio como discurso político se naturalizou nos espaços públicos: políticos petistas ou artistas e intelectuais identificados com o PT são atacados, difamados em hospitais, aeroportos, restaurantes e até mesmo em velórios.” (p.44). Os ataques machistas e misóginos à presidente Dilma se intensificaram e se ampliaram após sua reeleição em 2014. Os nordestinos também foram alvo de ódio e de inúmeros preconceitos por parte de eleitores do Sul-Sudeste. O racismo recrudesceu. A teoria da conspiração foi seguida à risca, com a destruição da imagem da governante. Dos manifestantes de rua ouviam-se: “vaca”, “puta”, “quenga”, “prostituta”, “sapatão”, “terrorista”, “vadia”, “piranha”. Cartazes e adesivos imorais foram distribuídos pelo Brasil afora. Os “midiotas”, massa de manobra dos golpistas, foram às ruas. Também enfeitaram seus automóveis de adesivos. Na abertura da Copa do Mundo, em 2014, por exemplo, torcida organizada, conhecida como de “coxinhas”, localizou-se nas proximidades do palanque oficial e, a plenos pulmões e para o mundo inteiro ouvir, mandou a presidente tomar ”naquele lugar”. Depoimento da jornalista Conceição Oliveira (p.41): “A presidente Dilma foi e ainda é a mulher mais desrespeitada na história do país.”
Criou-se, daí, uma grave crise política, acompanhada de crise econômica, que, potencializadas pela operação lava jato, quebraram empresas, ameaçaram estatais, desempregaram e levaram o país a uma grande recessão. O desemprego, cuja taxa era de 4,3% em 2014, atingiu o índice de 12,9% em 2016, representando o contingente de quase 13 milhões de brasileiros desempregados. O desassossego tomou conta do Brasil. Reduzido o consumo, as fábricas reduziram a produção e dispensaram operários. O PIB despencou. A bolsa de valores passou a operar no negativo. A cotação do dólar chegou acima de quatro reais.
Veio irremediavelmente o impeachment. A votação do processo na Câmara dos Deputados, em 17 de abril de 2016, ocorreu de forma espetaculosa, vergonhosa, a par de cada voto declarado. “(...) a oposição – que perdera as eleições presidenciais – tendo Eduardo Cunha à frente da Câmara dos Deputados, isolou e bombardeou o novo governo sem dó, com ares de conspiração e golpismo.” (p.166). Para a lata do lixo foram então levados os 54 milhões de votos obtidos pela presidente Dilma. Vitoriosa – e sem ter cometido qualquer crime de responsabilidade (p.42) – ganhou, mas não levou. Os golpistas ganharam no tapetão e assumiram o governo, sem legitimidade popular e sem projeto de nação. Disse o jornalista Paulo Henrique Amorim (p.158): “Agora, o Cunha pode ir para a latrina da Casa Grande. Já fez o serviço sujo.” As pontuais intervenções do STF, “que suplementam competências legislativas, vêm transformando o Brasil em um país tricameral”, na apreciação do jornalista Murillo Aragão (conjur.com.br), apesar da resistência a esses atos dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O Brasil, afinal, terá de aguardar 2018.
Maceió, janeiro de 2017.
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