Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes
É sempre bom recordar. Melhor dizendo, reler e recordar. Com certeza, as boas relembranças fazem bem à saúde da gente. Saúde física e mental. Recordar é sentimento saudável.
Há poucos dias, aleatoriamente retirei da estante meu livro Chuviscos de Prata, publicado no ano 2000. Folheando-o, cheguei à página 137. Com aquele gostinho de saudade, reli a crônica intitulada Morcegos da Meia-Noite, produzida em março de 1998.
Pus-me, então, a recordar o período de boa vida vivida em Santana do Ipanema, minha cidade natal. E, vejam só, já se foram 20 anos da crônica publicada.
José de Albuquerque Malta, o saudoso Zé Malta, estava aposentado dos Correios e, havia muito tempo, escolhera a cidade de Santana do Ipanema para nela morar definitivamente.
Brincalhão. Boêmio. Bem-relacionado na praça.
Um dia convidaram-no para arrendar o bar da AABB. Não sei bem precisar a data, mas deve ter sido lá para os meados de 1973, salvo engano.
Topou. Organizado, arrumou tudo direitinho, botou ordem na casa e o bar funcionou a contento.
À noite, estava ele lá, no batente, preparado para receber a boa e seleta clientela. Enquanto ela não chegava, sentava-se a uma mesa bem-forrada, para jogar buraco, conhecido jogo de baralho, com amigos. Residindo bem pertinho do clube, eu fazia parte do restrito grupo de jogadores. Para ele, uma partida de buraco era como se fosse uma batalha de vida ou de morte, embora não houvesse nela aposta de qualquer natureza.
Durante a semana, não havia muito movimento no bar. O “pico” só se dava às sextas-feiras, à noite. Aí, sim. Muitas mesas no salão, barulho, radiola ligada, violão, bebidas, petiscos. Afinal, faturamento garantido.
Lá para a meia-noite, quando o jogo e o “expediente” estavam terminando, Zé Malta começava a arrumar-se para ir embora. Aí, nesse horário, um grupo de rapazes costumava chegar, para total irritação do dono do bar. “Lá vêm esses morcegos da meia-noite!”, dizia ele, danado de raiva. O grupo era formado, quase sempre, por bancários do BB, jovens da melhor qualidade e bons fregueses. Gente como Capiá, Paulo Décio, Neto, e tantos outros.
Fazer o quê? A alternativa era simplesmente deixar com o grupo as chaves do bar e da discoteca. No dia seguinte, acertava-se a conta, e tudo legal.
Tempos depois, descobriu-se a razão de esse pessoal chegar habitualmente tão tarde à AABB, para, ali, encerrar a longa farra das sextas-feiras. É que esses rapazes começavam a noite jantando e bebendo numa das barracas de lona, modesta e mal iluminada, armada por trás dos armazéns de seu Domício Silva, à véspera da feira livre do sábado.
Galinha guisada, costela de porco e feijão verde faziam o delicioso cardápio. Casa cheia. Também pudera! Uma garota bonita, de saia curta e pernas torneadas, cortejada e cobiçada, ajudava a servir os pratos. E mais. No fundo da tolda, uma cama improvisada era vista sem muito esforço através de uma cortinha transparente que sempre balançava ao vento das noites sertanejas. Ali, depois do árduo trabalho, certamente enfadada, a moça punha-se a cochilar e dormir, meio desarrumada.
Com razão, pois, os “morcegos da meia-noite”, como os jovens eram assim chamados por Zé Malta. Além dos deliciosos e temperados pratos, possuíam eles outros justos motivos para espichar o jantar regado a muitos copos de cerveja. Certamente as belas pernas da jovem, ingenuamente expostas. Ou – quem sabe – usadas como estratégia para atrair fregueses...
Maceió, março de 1998.
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