Leio no conto “O Menino que Escrevia Versos”, do moçambicano Mia Couto, o seguinte diálogo havido entre o menino poeta e o médico. Este pergunta ao menino:
– Dói-te alguma coisa?
Resposta do menino:
– Dói-me a vida, doutor.
Recomendação do médico:
– Não pare, meu filho. Continue lendo...
Certa vez eu disse: “aprendi a ler, lendo; aprendi a escrever, escrevendo.”
Não sou poeta, e nada me dói a alma. Continuarei a ler, a pensar, a escrever. Para mim, escrever advém do ato de pensar, de criar. É supremo ato de inspiração.
Quem escreve verifica que os motes, os temas, surgem naturalmente, lentamente como o nascer do Sol na aurora. Resta-nos daí desenvolvê-los com o emprego da análise lógica (sintática) de cada sentença, de cada premissa, de cada conceito.
Devem estar a seu lado dicionários (“obstinadamente frequentados” por Graciliano Ramos, no dizer do escritor Ivan Marques, em Para Amar Graciliano, Faro Editoral, 2017, páginas 14/15). Também disse o escritor Gilberto Amado, na abertura/apresentação do Dicionário Aurélio, 5ª edição: “Escrevo com o dicionário. Sem dicionário não posso escrever – como escritor.”
A partir daí, uma vez formuladas as ideias, é só deslanchar.
Muito cuidado, porém, com as chamadas armadilhas do estilo, que podem comprometer a comunicação, no dizer do professor Carlos Pimentel, em seu livro Português Descomplicado, páginas 203/209, 5ª edição, ano 2005, Edições Saraiva.
Entre as tais armadilhas citadas pelo gramático, veremos exemplos de Ambiguidades (“o serventuário abandonou a vida pública para entrar na privada”); Chavões (“venho por meio desta”; “sem mais para o momento”); Neologismo não Oficial (“alavancar recursos”; problemas elencados no relatório”; “prospectar clientes”); e, finalmente, Modismos (“a nível de”; “colocar/colocação”).
Acabo de ler o livro Graciliano em Viçosa, de autoria do intelectual, escritor e poeta Sidney Wanderley, produzido em parceria com a alagoana Júlia Cunha, mestranda em Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Referindo-se a sua terra natal, Viçosa, Sidney Wanderley lembra-nos diversas passagens pitorescas e engraçadas de alguns dos seus conterrâneos do passado. Quando menino, por exemplo, ele frequentava a marcenaria-ateliê do escultor Mestre Amaro, que, com um tronco de jaqueira, fabricava um belíssimo cavalo. Curioso, o menino Sidney arriscou uma pergunta:
– É muito difícil, mestre, fazer um cavalo desses?
O mestre, “entre sorridente e irônico”, respondeu:
– Difícil coisa nenhuma! É só tirar da madeira tudo aquilo que não for cavalo.
Finalmente, à página 65 do mesmo livro, lê-se que Sidney fora presidente do Comercial Futebol Clube, vice-campeão alagoano de 1990, e tinha sempre a seu lado, no banco de reservas, o massagista Valdir, que, “de cada três palavras que balbuciava, errava cinco. Era um tal de “meia dúzia de três gatos-pingados”, “em riba”, “pra mode”, “doce de latra”. Era um boa-praça, mas seguramente um falador. Num jogo, o “lateral direito recebeu uma impiedosa bolada em suas partes mais sensíveis e desabou no chão”, segundo relato de Sidney. O massagista foi até ao jogador desmaiado, para dar-lhe a necessária assistência profissional. Voltando ao presidente, deu-lhe o diagnóstico: “Não há nada a fazer. É esperar e torcer para que o homem ressuscite. A pancada foi toda a nível de ovos.”
Lembra Sidney, afinal, que, se Graciliano Ramos fosse vivo à época do citado jogo de futebol, teria dito ao massagista: “A nível de é a puta que o pariu, seu Valdir”.
Maceió, dezembro de 2021.
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