BICHOS, COMPANHEIROS E AMIGOS - I

Djalma Carvalho

Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense de Letras.

Meus pais nunca tiveram apego a gato e a cachorro, hábito que os filhos procuraram seguir pela vida afora. Única exceção talvez seja a do filho mais novo, meu irmão Ademir, que não se separa de um irrequieto peludo e de um esperto bichano, velhos moradores e guardas de sua casa.
De minha parte, somente criei pombos e passarinhos cantadores.
Entretanto, quando eu ainda era criança, ou já estava adolescendo, minha avó Bilia achou por bem dar-me de presente um galo de briga, ainda frango, mas valente de verdade.
As brigas de galo eram livres e empolgavam a meninada do meu tempo.
Morando no Sítio Gravatá, semanalmente e em dia de feira estava eu na cidade de Santana do Ipanema, hospedado na aconchegante casa de minha avó Bilia, avó materna, viúva e determinada administradora dos bens deixados pelo meu avô. Como primeiro neto, sempre passava mais dias ali, sob seus cuidados, sendo carinhosamente por ela tratado. Tanto que, anos depois, em 5 de fevereiro de 1952, passei, definitivamente, a morar na cidade, em sua casa, deixando para trás, com muita saudade, o Sítio Gravatá. Esse divisor de águas em minha vida tem sido motivo de inúmeras crônicas, todas elas por mim inseridas nos 10 livros até agora publicados.
Mulher de firmes propósitos, minha avó Bilia era de não contemporizar diante de desagradáveis recortes do cotidiano santanense. Sempre notei que ela não frequentava a igreja, sequer assistia a missas dominicais e a outras celebrações religiosas. Por outras fontes e muito tempo depois, soube as razões desse seu afastamento: incidente havido entre ela e o padre Capitolino, pároco da cidade nas duas primeiras décadas do século passado. Tendo chegado muito cedo à igreja para a santa missa, sentara-se ela na banca da primeira fila e dali fora mandada retirar-se pelo padre político, porque a banca havia sido por ele reservada para o coronel Manoel Rodrigues da Rocha e sua família. Prima do ilustre e bondoso oficial da Guarda Nacional, ambos oriundos de Águas Belas, Pernambuco, D. Bilia sentiu-se humilhada. A partir daí, nunca mais pisou o frio mármore da igreja matriz da cidade. Mágoa guardada em seu coração até a morte.
Retornando ao assunto inicial, diria que cada menino da cidade possuía, normalmente, um galo de briga, carregado debaixo do braço e pronto para desafios. Meu pequeno galo de briga foi vitorioso no primeiro embate, ainda que tivesse lutado contra um galo de maior porte, afeito a tais refregas a julgar pela crista marcada por bicoradas e pelo peito depenado.
Empolgado com o presente recebido, retornei ao Sítio Gravatá onde morava com meus pais e irmãos, certo de que no sábado seguinte estaria eu também com meu galo de briga debaixo do braço, pronto para enfrentar outros desafios, outras instigantes brigas.
Passei, então, a longa semana de ansiedade, de sonhos! Minha cabeça de criança não parava de girar, de sonhar, vivendo a quietude do lugar e a expectativa de logo mais escutar o barulho da cidade, dos veículos, dos feirantes, da gente que ia e vinha.
Finalmente, o sábado amanheceu radioso. Logo que cheguei à cidade, minha avó, visivelmente aflita, recebia-me, infelizmente, com uma notícia-bomba, desagradável. Meu galo de briga havia sido atropelado e morto. Em disparada, escapara ele do quintal da casa para ser esmagado no meio da rua por um caminhão em velocidade. Fiquei chocado e triste.
O choro de criança, de sonhos da semana anterior, ficou ali abafado com o abraço consolador de minha bondosa avó Bilia.
Ali findara, também, a precoce carreira de frequentador de rinhas, ingenuamente ensaiada pelos meninos do meu tempo. Esporte, aliás, que viria a ser proibido em todo o território nacional por decreto assinado em 18 de maio de 1961 pelo presidente Jânio Quadros.

Maceió, janeiro de 2017.

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