A TREMENDA PALMATÓRIA

Djalma Carvalho

Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Maceioense de Letras.

Palmatória ou férula, segundo o Aurélio, é uma ”pequena peça circular de madeira com cabo, que servia, nas escolas, para castigar as crianças, batendo-lhes com ela na palma da mão”. Artefato também conhecido pelo apelido de maria-vitória, maria-das-dores, santa-luzia, santa milagrosa, e vai por aí.
Dificilmente, haverá gente, hoje, com mais de 50 anos de idade que não tenha conhecido a palmatória, vítima, certamente, de boa remessa de bolos em sabatinas nas escolas. O tributo do erro cometido era o bolo na palma da mão, por não ter respondido, corretamente, a questões de tabuada, conjugação de verbos, História e Geografia, etc.
Possuía Santana do Ipanema, no início da década de 1950, reconhecidamente, uma boa escola primária, onde concluí meu curso primário em 1953. Refiro-me à Escola Imaculada Conceição, da professora Helena Oliveira Chagas, que funcionava então em casa residencial situada na calçada alta, na Rua Barão do Rio Branco, bem antes da ponte do padre Bulhões.
Dessa escola saíam alunos que eram logo aprovados no exame de admissão ao ginásio, passaporte inicial para voos mais altos na vida de cada um. Por ela passaram muitas gerações de santanenses, depois médicos, advogados, dentistas, políticos, professores, jornalistas, escritores, empresários.
Não me recordo de ter recebido bolos em sabatinas, que eram pessimamente aguardadas pelos alunos da escola. De minha parte, andei brandindo a palmatória, posicionando-me no início do semicírculo formado, tendo no final deste o esperto e inteligente Dimas Menezes, que também tinha na ponta língua as respostas às questões das “olimpíadas” semanais, assim entendidas as sabatinas. A professora imprimia absoluta seriedade à realização desses eventos. Tínhamos pena de delicadas mãos femininas. Quem recolhesse a mão, menino ou menina, o bolo seria imediatamente aplicado com mais intensidade.
O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), referindo-se com palavras ofensivas ao uso da palmatória, teria considerado, não obstante, a primitiva prática no antigo ensino primário como “a perfeita máquina de ensinar”.
Quem não se lembra dela? Objeto temível e odiado, também nas casas de família, a palmatória sempre esteve pendurada a um prego na parede, à vista das crianças e dos agregados.
Nos meus livros Festas de Santana e Caminhada tratei dessa “pequena peça circular de madeira com cabo”. Um exemplar deste último livro, por exemplo, chegou à mão do escritor e crítico literário Hélio Fernandes de Moraes, no Rio de Janeiro, em 3 de janeiro de 1996. Em longa carta sobre a leitura de minhas crônicas dele recebi críticas e elogios. Como Inspetor de Ensino, ele estivera fiscalizando escolas primárias na região Norte de Alagoas em 1943, notadamente na periferia de Passo de Camaragibe. Disse ele sobre Caminhada: “Trata-se do fato de que, em 1952 e 1953, você frequentava as aulas da professora D. Helena Oliveira Chagas, ‘preocupado com lições e sabatinas, regadas a bolo de palmatória’. Ora, já há mais de duas décadas, haviam sido abolidos a palmatória e todos os castigos físicos nas escolas. Fico admirado que você se refira a uma escola urbana, numa cidade progressista como Santana do Ipanema.”
Diz-se que a palmatória teria sua origem no século XVI, utilizada de forma disciplinar pelos jesuítas no processo de aculturamento dos indígenas brasileiros. Largo uso teve a palmatória na escravidão do negro no Brasil, na malvada mão do poderoso senhor de escravos. Estreita ligação também teve a palmatória aos tenebrosos porões da ditadura militar, acompanhada de afogamentos, eletrochoques, paus-de-arara, entre outras formas de suplícios e torturas à brasileira.
Proibido está, há muito tempo, o uso da palmatória nas escolas e fora dela. Em 1970, verificou-se o fim da violência infantil. Em 1980, finalmente, tornou-se crime com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Relendo o livro Memórias de um Sargento de Milícias (Editora ABC, 1ª edição, Fortaleza, Ceará, 1999), produzido provavelmente entre 1852 e 1853, encontro à página 99, no capítulo “Mestre de Reza”, estranho personagem da época que carregava consigo “uma tremenda palmatória, de que andava armado, compêndio único por onde ensinava a seus discípulos”.
Que compêndio!
Da palmatória, hoje, certamente não haverá boas lembranças ou relembranças.

Maceió, novembro de 2018.

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