A LÍNGUA DESEJADA

Clerisvaldo B. Chagas

A LÍNGUA DESEJADA
(Clerisvaldo B. Chagas, 31 de março de 2011).

São louváveis alguns programas encontrados em emissoras de televisão que resgatam usos, costumes e tradições regionais. Também encontramos leituras sobre esses assuntos em livros escolares, atos que indicam a preocupação de abnegadas pessoas preocupadas em divulgar páginas singelas e felizes das nossas tradições. Falam dos quilombolas, das quebradoras de coco, dos vaqueiros, dos cantadores, das atitudes populares na semana santa, dos antigos retratistas, de rezadores, benzedeiras, parteiras e mais uma porção de outros temas que enriquecem o social desse país.
No reinado do boi pelo Brasil inteiro, surgiram várias lendas, estando à figura do ruminante sempre presente. Animal muito querido, quase sagrado, é o companheiro do homem no cotidiano do Brasil rural. Uma das lendas engraçadas e significativa é a do bumba meu boi, boi-bumbá e outras inúmeras denominações regionais a essa manifestação folclórica. A mulher do morador da fazenda chamada Catirina, estava grávida. Desejava comer língua de boi e incentivou o marido Francisco a obter essa iguaria. Para o menino não nascer doente ou com cara de boi, Francisco sentiu-se na obrigação de abater o animal do patrão, arrancar a sua língua e oferecer a mulher. O problema é que o patrão soube e condenou a morte o seu fiel empregado. A única saída encontrada por Francisco, para não morrer, foi encomendar uma pajelança realizada por um padre e um pajé na tentativa de ressuscitar o boi. Essa encenação é composta por vários personagens que cantam e dançam, tendo como ponto culminante a ressurreição do animal, comemorada com bastante euforia. Não temos certeza absoluta, mas parece que esse teatro do bumba meu boi é apresentado no filme “Vidas Secas”. Durante a época de Carnaval, em Maceió tem início vários dias antes, os ensaios sobre apresentação e concurso do boi. Muitas comunidades capricham na apresentação, nos enfeites e acompanhamentos musicais, visando o honroso primeiro lugar desse tradicional concurso. No interior, o boi ainda se apresenta isoladamente pedindo dinheiro para brincar, soltando fumaça pelo ânus a quem não coopera com o seu Carnaval.
Juntam-se, então, as apresentações do bicho que ajudou a povoar enormes faixas de terras do Brasil, com as lendas dos desejos de mulheres grávidas, contadas quase sempre entre risos juvenis. No caso da mulher da fazenda, o desejo era comer a língua do boi. Se não fosse a eficiência do pajé, teria acontecido a tragédia do marido trucidado.
Como uma coisa puxa outra, vamos imaginando a grande admiração e apreço que temos por alguma pessoa. Quando a decepção acontece vemos o nosso ícone desabar perante nós. Nessas circunstâncias lembramos o bumba meu boi, o boi de mamão, o boi-bumbá. Mas uma vez morta à admiração ─ ao contrário do folguedo ─ por mais que tentemos não há pajelança que ajude. Para não acontecer efeitos deprimentes é bem melhor evitar longe A LÍNGUA DESEJADA.
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