A Casa de Alagoas

Carlito Lima

LEILA DINIZ, A RAINHA DA BANDA DE IPANEMA

Foi num bonito verão final dos anos 60. Aproveitei uma viagem dos Bentes, filhos do Benedito. Peguei carona, fui de carro para o Rio de Janeiro. Não houve planejamento de roteiro, parávamos onde bem entendíamos e dormíamos no primeiro hotel quando Luciano se cansava na direção.
No interior da Bahia pernoitamos no Hotel Familiar. Os preços das diárias fixados em um quadro negro: “QUARTO COM PINICO: CR$ 5,00”. “QUARTO SEM PINICO: C$ 4,00”. Perdi a preciosa fotografia dessa pérola brasileira.
No Rio ficamos no apartament do Cáo, Rua Paissandu no Flamengo, espécie de embaixada alagoana. Sempre havia uma cama ou um colchão para um amigo.
Naquela época funcionava a Casa de Alagoas, associação que dava assistência à colônia alagoana radicada no Rio de Janeiro. Era ponto de encontro, matar saudades, unir a tribo caeté.
Roberto Mendes, o presidente da associação havia ganhado uma eleição disputadíssima contra Ronaldo Lessa, nos esperava extensa programação.
No sábado estava marcado um pré-carnavalesco: baile “Vermelho e Preto” no Clube de Regatas Flamengo.
Na Rua Paissandu iniciava a preparação etílica. As meninas iam se achegando, começavam as paqueras. Todos vestidos com camisas rubros- negras, inclusive os tricolores e vascaínos. Partimos para a sede do Flamengo.
Roberto Mendes organizou a noitada. Os ingressos foram comprados antecipadamente. Na hora da entrada faltou ingresso para o Bob, um carioca que morou em Alagoas, se sente alagoano. Ficamos matutando como resolver o problema da entrada do Bob, de repente Roberto Mendes avistou um caminhão entrando pelo portão lateral, gritou, “Venha cá Bob!”. Confabularam com o motorista, colocaram Bob por trás do caminhão frigorífico, cheio de gelo da festa.
O baile fervia animado. Depois de algumas voltas encontramos Bob no bar tomando conhaque puro. Estava molhado, batia o queixo. Vinte minutos dentro do frigorífico do caminhão; quase morre congelado. Sambamos até o dia amanhecer com charmosas rubro-negras.
No domingo pela manhã, novo encontro na Praça General Osório. Maior expectativa em desfilar na Banda de Ipanema. Roberto havia providenciado uma ala dos alagoanos. Nossa fantasia: sunga de banho de mar, tamanquinho de praia e uma toalha em volta do pescoço para abastecer de lança-perfume.
Nesse trajes começamos esquentar as baterias num bar perto da praça. O bar lotado, nossa mesa das mais concorridas, meninas bonitas, namoradas, paqueras. Era só alegria, felicidade, chope e carnaval.
Em certo momento Bob sentiu fortes cólicas, talvez conseqüência da friagem do frigorífico, foi se esvair no acanhado e sujo banheiro. Depois dos serviços, depois de ter obrado, voltou à mesa. Pagamos a conta, levantamos, na partida, pela primeira vez alguém reclamou:
“Êita fedor de merda! Alguém pisou em bosta!”
Olhamos nos solados dos tamancos, nenhum vestígio de cocô. Nessa altura havia uma multidão na Praça General Osório. A Banda animada tocava o samba:
“Nesse carnaval não quero mais saber... de brigar com você... vamos brincar juntinhos... água na boca para quem ficar sozinho... as nossas brigas... não podem continuar... por que nosso amor não pode se acabar...”
Nosso grupo animado, ala cheia de gente bonita, contrastava o cheiro de merda no ar. Até que a fonte fedorenta foi descoberta, era o Bob. Na hora do serviço, parte do tolete lançado no sanitário caiu na sunga. Ele, sem sentir, vestiu-a novamente. Infestou-se de cocô.
A Banda de Ipanema acabou à noite. Programamos terminar a farra no Alkasar, Copacabana. Enfrentamos um ônibus lotado, éramos mais de 20 pessoas em pé, se acotovelando. A certa altura um passageiro gritou:
-“Motorista pare! Alguém cagou dentro do ônibus!”
Resumo da ópera, fomos presos na Delegacia em solidariedade a Bob, o cagão. O delegado só nos soltou depois de Bob tomar um banho com sabugo, dado pelos soldados de plantão.
Terminamos a noite às gargalhadas no Alkasar, relembrando as façanhas da juventude bonita, solidária e cagona. Assim era a Casa de Alagoas nos tempos dos anos dourados.

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